"Bolsonaro não manda em nada", "é um bobo da corte", declarou o ex-presidente Lula, que o tem denunciado também como ameaça à democracia. O alerta sobre o ditador em potencial surgiu já na corrida presidencial de 2018. A dupla assertiva é um oxímoro: como poderia um bufão politicamente impotente ser simultaneamente um autocrata?
Um contra-argumento que vem à mente é que alguns monarcas absolutos eram bufões; mas quem não cumprisse ordens perderia a cabeça! Pela mesma lógica um Napoleão de hospício seria um ditador: a realidade institucional e política efetiva não importaria. Regimes não se reduzem à subjetividade dos atores; são moldados por fatores institucionais e políticos.
Para além de uma hipérbole retórica, a metamorfose do autocrata-em-potência em bobo-da corte revela mais do que o malogro de previsões de analistas que não se realizaram.
A imagem de um chefe do Executivo que não manda em nada sugere que é instrumento de outros atores. É a imagem reversa de um imaginário processo de autocratização. Ao contrário do típico ditador latino americano ele não imporia ao Congresso uma "ley habilitante" delegando-lhes poderes extraordinários; mas uma rainha da Inglaterra, instrumento impotente de maioria congressual.
A retórica da recusa da velha política durou 16 meses. O que não deveria constituir nenhuma surpresa. Bolsonaro é hiperminoritário. Não logrou criar ou se apossar de um partido; sua agremiação detinha 10% das cadeiras do Câmara e permaneceu metade do mandato sem mandato, contando com o apoio de 3 governadores. Seu núcleo duro na opinião pública é de menos de 1/5 da população.
Orbán ou Trump, ao qual Bolsonaro é frequentemente comparado, desfrutaram de amplas maiorias unipartidárias. Os republicanos controlavam a Câmara dos Deputados de 2011 a 2019; e o Senado de 2015 a 2021. Sim, 94% do eleitorado republicano votou em Trump. Orbán contava com super-maiorias que lhe garantiam quórum inclusive para reformar a Constituição. Ao contrário de Bolsonaro, Trump contava com uma Suprema Corte alinhada com suas preferências.
Instituições independentes com alguma robustez constrangem o Executivo. Mais do que isso: chegam a deflagrar respostas hiperbólicas. Sua independência não significa invulnerabilidade. Mas o risco de captura de instituições de controle pelo Executivo tem deflagrado reação de seus corpos técnicos e custo político (do qual há exemplos no governo atual e no passado, como a reversão da indicação do ex Senador Gim Argello para ministro do TCU em abril de 2014).
A disputa em torno de ameaças imaginárias escamoteia o essencial: a discussão do modo de relacionamento do Executivo com o Congresso.
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