Giovana Madalosso
Quando o inverno chegou, uma vizinha bateu à minha porta pedindo cobertores para os moradores de rua. Convidei-a para entrar. Enquanto eu procurava uma manta, me contou que também andava arrecadando alimentos.
Juntei ao cobertor alguns quilos de feijão e fechei a porta encantada com a generosidade daquela mulher. O encanto durou sete dias. No domingo seguinte, encontrei com ela no elevador e, não sei bem como, começamos a falar de política.
Meu queixo rolou para dentro do fosso quando ela comentou que ia anular o voto. Como assim, logo ela que andava por aí arrancando feijões de quase desconhecidos? Pensei que não devia estar ouvindo direito, mas ela confirmou, alegando não haver escolha.
Cheguei a me perguntar se eu ou ela estávamos vivendo em uma realidade paralela. Aqui no inferno onde vivo, há um candidato que já acabou com a fome uma vez e, se eleito, promete fazer isso de novo. Há outro que propõe taxar a fortuna dos super-ricos, fazendo uma movimentação efetiva no sentido de distribuir renda e, com isso, esquentar pratos e bolsos.
Preferências eleitorais não são movidas por apenas um fator, mas se a fome de 33 milhões de pessoas dói no estômago dela, por que perder a chance de atenuar ou calar de vez esse ronco?
Fiquei me questionando se ela realmente quer alguma mudança. Se, como alguns maus samaritanos que existem por aí, ela não prefere que tudo siga como está, encastelando-se na sua torre de privilégios para decidir, por conta própria, o que dividir, em que quantidade e com quem. Para depois poder dizer: como sou bacana!
Não tive tempo de descobrir, porque ela logo saiu do elevador. É para ela e para outros samaritanos que escrevo essa coluna. Claro que todo gesto de caridade é louvável e bem-vindo —ainda mais nesse momento de tanto flagelo— mas mudar as coisas, a gente só muda votando.
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