DEMI GETSCHKO
Por dentro da rede
Crescente comportamento de 'manada' possibilita surgir consequências imprevisíveis
14/09/2021 | 05h00
Por Demi Getschko - O Estado de S. Paulo
Consequências das redes sociais ainda não foram totalmente avaliadas
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A expansão redes sociais já foi tema de diversos artigos, que vão desde uma crescente impossibilidade, por parte de seus integrantes, de distinguir o verdadeiro do falso no mar de informações que recebem, até comportamentos disruptivos originados por ambiente nunca antes explorado.
Fazem-se analogias com bandos de pássaros, cardumes de peixes, enxames de insetos, que, em situações específicas, conseguem comunicar-se de forma coletiva, assumindo configurações altamente sincronizadas, defensivas ou ofensivas.
Não distinguir entre falso e verdadeiro, além de ser um problema eterno e insolúvel, parece ser menos propenso a provocar o apocalipse apregoado.
Já do crescente comportamento de “manada” possibilitado pela rede podem surgir consequências imprevisíveis. Segue alguma provocação, de simples observador. Parece sólido afirmar que as pessoas, em sua grande maioria, sempre seguiram posições e ideias dos que consideram dignos de ouvir ou seguir.
Afinal, no meio das ocupações diárias nem sempre resta tempo para aprofundamentos em temas diversos. Havia, assim, nosso crítico de cinema preferido que indicará um filme, o analista econômico que desenhará o cenário vislumbrado, o veículo de informação no qual nos fiamos com mais frequência etc. Pode-se dizer que, fora da nossa área de experiência, tendemos sempre a acompanhar alguém. Esses “guias” que de alguma forma escolhíamos para acompanhar com mais frequência eram, em geral, poucos indivíduos ou meios de comunicação. E boa parte da população, sempre atarefada, preferiria gastar o pouco tempo disponível com entretenimento, indicado por alguém ou não.
A internet alterou isso profundamente. Não só há milhões que podemos agora ouvir ou seguir, como nós mesmos podemos tomar posição ou, simplesmente, repetir o que ouvimos e, com isso, também afetar os demais.
Se antes, na medida de nossa disponibilidade e conveniência, escolhíamos a quem seguir ou imitar, hoje somos cooptados, não só a acompanhar e emular um número imenso de “influenciadores” e veículos, como a fazê-lo de forma muito rápida e, portanto, superficial. Não precisamos gastar o bestunto para analisar se o que estamos aplaudindo ou repetindo é certo ou errado, verdadeiro ou falso. Bastará que esteja provindo de alguém que faz parte daqueles que seguimos. Assim, a imitação do comportamento alheio – que sempre houve – ganha proporções maiores com a internet.
Outro ponto que pode ser causador de disrupção é a horizontalidade que a rede trouxe. Claro que é positivo que todos se comuniquem e sejam acessíveis, mas a disponibilidade indiferenciada, potencializada pelo mimetismo citado acima, gera uma vulgarização de intervenções não apenas sem base, mas também sem decoro. Afinal, se posso me manifestar sobre qualquer tópico – e especialmente se meu líder do momento vai numa direção –, posso criticar qualquer posição divergente, independentemente da qualidade. Hoje todos podem desmentir todos e, ainda por cima, em linguagem agressiva, sem que haja nenhuma base factual além dos argumentos “ad hominem”.
Voltando a comportamentos coletivos, redes sociais podem ter consequências ainda não avaliadas. Há na internet vídeos que mostram surpreendente comunicação entre indivíduos de um bando. Enxames de vaga-lumes, por exemplo, sincronizam-se e terminam por piscar todos, simultaneamente. Isso pode até ser bom para pirilampos, mas parece-me muito perigoso se humanos, estimulados pela rede, passarem a adotar essa sincronização.
*É ENGENHEIRO ELETRICISTA
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