quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Ulisses Capozzoli - O tempo roubado a cada um de nós

Do início da redação deste pequeno relato, em exatas duas horas (12h59) ocorrerá o que se conhece como solstício de verão, em outras palavras, o maior afastamento aparente do Sol em relação ao equador, neste caso, para o hemisfério Sul. No Norte, o que acontece é o solstício de inverno, por um movimento invertido. O resultado disso? A maior incidência de radiação solar no hemisfério Sul e a menor no hemisfério Norte e aqui estamos tratando, evidentemente, de uma Terra de forma esférica, “oblóide” em linguagem mais técnica. Um oblóide é uma forma esférica não perfeita, com ligeira protuberância no equador, resultado da força centrífuga (literalmente do centro para fora) devida ao movimento de rotação do planeta, que produz, sucessivamente, noites e dias. Os mundos do Sistema Solar tem diferentes inclinações em relação ao plano de órbita em torno do Sol. Vênus, por exemplo, gira de “cabeça para baixo”, ainda que isso não passe de pura convenção. No espaço não existe “acima” ou “abaixo”, à “direita” e à “esquerda”. O espaço cósmico é absoluto em sua surpreendente imensidão o que nos leva a um paradoxo: um universo infinito é algo ininteligível. Mas seu aparente oposto, um universo finito, também é incompreensível para os padrões humanos.

O que pode ter inclinado o eixo de rotação da Terra, de aproximadamente 23,5º, em relação ao plano de órbita, a eclíptica? O choque de um corpo do porte aproximado de Marte que partilhou, no passado remoto, uma órbita com a Terra. Do impacto teria nascido a Lua que, agora, também se afasta da Terra à velocidade em que crescem nossas unhas e isso diminui lentamente a velocidade de rotação da Terra, ampliando a duração do dia/noite, o que significa dizer: numa concepção algo reducionista, o tempo “desacelera”. Dia/noite aumentam de duração, ao invés de diminuir, como parece ser a sensação geral. A introdução de uma infinidade de tolices impostas pela “civilização” ocupa cada vez mais um tempo precioso e limitado de nossas vidas, curtas como um entardecer. A quantidade de tarefas que se apossa, cada vez mais do cotidiano, leva à sensação de que o tempo, agora, passa mais rapidamente. O que está por trás disso, no entanto, é a alienação produzida pelo consumismo e a necessidade de se trabalhar cada vez mais para atender a essa exigência estúpida ditada por um sistema de produção alienante. A vida de cada um nós é drenada como a água de um balde furado. Ou mudamos de mentalidade, ou estaremos cada vez mais encurralados pela falta de tempo, algo que não se compra em nenhum lugar. Cada minuto a mais é, paradoxalmente, um minuto a menos nesta brevíssima passagem pela Terra, seja lá o que quer que isso signifique para cada uma da enorme diversidade de crenças que os humanos cultivam em uma pequena horta de valores.

Estou, momentaneamente, trabalhando em uma região da Mantiqueira em que o Sol de fim de tarde é dourado como laranja madura. Nas grandes cidades é avermelhado, por efeito da poluição de uma infinidade de fontes que calcinam nossos pulmões com indiferença do poder público, dominado pelo sistema de valores em que o único que conta é o lucro. A grana. O dinheiro. Como podemos ser tão estúpidos e, ao mesmo tempo, nos enxergarmos como “Homo sapiens”? ou “homens sábios” num espelho moldado para criar uma imagem distorcida de realidade? Pergunte às pessoas na fila do ônibus, do cinema ou do teatro e elas não saberão responder. A energia das pessoas está sendo drenada no esforço de sobreviver num mundo cada vez mais sem sentido, com a essência das coisas, as ideias, os conceitos e a cultura, reduzidos a coisas desprezíveis.

Se sobrar algum tempo a você que passa os olhos por este texto, dedique alguns minutos desta noite (a mais curta do ano, devido ao avanço do dia) a refletir sobre as estações do ano que tornam a vida na Terra tão diversa. Que leva os ursos à hibernação, em locais onde vivem os ursos, ao mesmo tempo em que, entre humanos, contribuiu para moldar a cor dos olhos e da pele, além de ter criado uma memória intrigante em toda a vida vegetal. As árvores não se cobrem de verde ao final do inverno, começo da primavera, ainda que possa não ter chovido? Elas fazem isso porque tem memória e sabem que, em breve, haverá abundância de água precipitada do céu. Humanos, nem sempre se dão conta desse prodígio da Natureza, obra de um universo em que a vida pode ter a finalidade de um espelho: uma superfície refletora indispensável para a criação de uma autoconsciência.


Sol no interior da constelação do Sagitário, em que está localizado o núcleo da Galáxia, neste solstício de verão no Sul, às 12h59 deste 21 de dezembro. Essa seria a imagem que um observador veria, caso pudesse distinguir o Sol contra o fundo escuro de estrelas. Crédito: Stefan Seip/APOD. 

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