segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

O que São Paulo perde ao entregar o Campo de Marte para Bolsonaro, FSP

 É enorme o prejuízo que São Paulo sofrerá se o acordo entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o Campo de Marte for efetivado. Prejuízo financeiro e perda urbanística, pois o futuro do desenvolvimento urbano sustentável da cidade ficará comprometido.

Mas esse crime está se concretizando, com o apoio do Legislativo e a omissão da sociedade.

Irresponsavelmente, a Câmara Municipal aprovou em 2ª votação (40 votos favoráveis e 14 contrários), o projeto de lei do Executivo, um verdadeiro cheque em branco de um único artigo, que autoriza o prefeito a fazer qualquer acerto com o governo federal sobre a área desde que a dívida do município com a União, estimada em R$ 25 bilhões, seja considerada paga.

Avião no Campo de Marte, na zona norte de São Paulo
Avião no Campo de Marte, na zona norte de São Paulo - Rubens Cavallari/Folhapress

O próprio prefeito revelou que, além de abrir mão de toda a indenização a que o município tiver direito (valor estimado pela Procuradoria-Geral do Município em R$ 49 bilhões) que exceder o valor da dívida, o acordo envolve a transferência de 1,8 milhões de metros quadrados da área do Campo de Marte para o governo federal, ficando apenas 400 mil para a prefeitura.

Essa transferência justifica o interesse de Bolsonaro. O aeroporto do Campo de Marte está incluído na sétima rodada de concessão aeroviária que está em consulta pública pela Anac, com, entre outros, o aeroporto de Congonhas e o Santos Dumont, cujo prazo para apresentação de sugestões, antes de se publicar o edital, esgota-se em 31 de dezembro de 2021.

Por isso Bolsonaro e seu ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas (candidato ao governo de São Paulo) têm tanta pressa na concretização do acordo. Enquanto o imbróglio da posse da área não for resolvido, a concessão não pode se realizar.

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O que não se justifica é a pressa do prefeito e do presidente da Câmara, que acelerou a tramitação do projeto de lei, em sacrificar o futuro financeiro e urbanístico do município, para ter um ganho de curto prazo, deixando de pagar R$ 3 bilhões anuais para a União.

O Campo de Marte, ocupado pelo governo federal há 89 anos como um troféu de guerra após a derrota paulista na guerra civil de 1932, foi reconhecido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) como de propriedade do município, depois de tramitar por 63 anos em todas as instâncias do Judiciário. O caso está transitado em julgado, restando apenas a decisão final do valor da indenização.

O município não deveria ter pressa em resolver a questão da dívida, pois a prefeitura está longe de ter suas finanças estranguladas.

O peso da dívida no orçamento municipal reduziu-se sensivelmente após a renegociação da dívida capitaneada pelo ex-prefeito Fernando Haddad (PT). O valor foi reduzido de R$ 72 bilhões para R$ 28 bilhões, sem que o município entregasse único metro quadrado de seu patrimônio imobiliário. Muito diferente do que está ocorrendo agora.

Os R$ 3 bilhões que a prefeitura paga anualmente como serviço da dívida representam menos de 4% do orçamento aprovado para 2022. No passado, essa porcentagem alcançou 13%. Em outubro de 2021, a prefeitura tinha cerca de R$ 25 bilhões em caixa, sem ter um plano consistente de investimentos para utilizá-los.

O município não é uma viúva endividada que não pode pagar seus compromissos e precisa abrir mão de uma indenização de R$ 49 bilhões e de um valioso patrimônio imobiliário para parar de pagar a dívida imediatamente.

Se, do ponto de vista financeiro, o acordo é nefasto para o município, do ponto de vista urbanístico a perda é desastrosa e irreversível.

O Campo de Marte, com seus 2,2 milhões de metros quadrados em uma região bem servida de infraestrutura e situada a quatro quilômetros do centro, faz parte do subsetor Arco Tietê da macroárea de estruturação metropolitana (MEM), prevista no Plano Diretor como um dos elementos estratégicos para o desenvolvimento urbano da cidade.

A MEM, que forma um arco ao longo da orla ferroviária e fluvial dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, reúne grandes glebas ociosas, equipamentos públicos e antigas áreas industriais e se constitui uma reserva fundiária, onde a cidade pode crescer para dentro, evitando a expansão horizontal que compromete as áreas de proteção ambiental.

Nela existem glebas e terrenos suficientes para atender a promoção imobiliária, a produção de habitação de interesse social e a implantação de parques e áreas verdes. Sua ocupação deve ser planejada, garantindo um equilíbrio urbanístico e ambiental.

O destino do Campo de Marte deveria estar subordinado a essa perspectiva, no âmbito de um plano urbanístico para a região. O Projeto de Intervenção Urbana (PIU) do Arco Tietê, enviado ao Legislativo na gestão Haddad, foi retirado por João Doria (PSDB) em 2017 e nada mais foi proposto.

A cidade não poderia abrir mão de uma área tão estratégica para seu futuro antes de se definir, de modo participativo, esse plano urbanístico. A manutenção ou não do aeroporto deveria estar vinculada a esse debate e, ainda, à formulação do Plano de Infraestrutura Aeroviária, previsto no artigo 262º do Plano Diretor.

A gleba do Campo de Marte, com uma dimensão equivalente a uma vez e meia o Ibirapuera, poderia se transformar em um grande parque, com equipamentos de cultura e lazer, aumentando a permeabilidade do solo na várzea do Tietê.

Por outro lado, a eventual saída do aeroporto viabilizaria o desenvolvimento imobiliário e habitacional da zona norte, restrito devido ao cone de aproximação das aeronaves. A região hoje se expande criminosamente em direção à serra da Cantareira, com ocupações de terra em áreas de proteção ambiental.

Nada disso foi levado em conta no debate legislativo, que tratou a questão com uma superficialidade e irresponsabilidade que envergonham a cidade. Não se discutiu nem os aspectos financeiros, como o deságio que a prefeitura está concedendo à União, nem as consequências urbanísticas do município abrir mão de uma área que tenta retomar há 63 anos.

A única esperança é investigação que o Tribunal de Contas do Município e o Ministério Público devem fazer sobre esse acordo, que precisa ser barrado na Justiça.


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