segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Brasil perde um de seus melhores amigos com a morte de Tom Lovejoy, FSP

 Carlos Eduardo Lins da Silva

Professor do Insper, foi correspondente da Folha em Washington

SÃO PAULO

Com a morte de Tom Lovejoy, o Brasil perde um de seus melhores amigos. Ao longo de 57 anos, grande parte de sua vida foi dedicada à pesquisa e à defesa da Amazônia brasileira, da qual se tornou proeminente porta-voz mundial.

Durante décadas, levou ao seu posto de pesquisa na floresta personalidades dos EUA e de outros países para excursões que incluíam a passagem da noite de ano novo. Em Washington, ser convidado para uma delas era considerado uma honra entre celebridades.

Retrato de Thomas Lovejoy
Ambientalista Thomas Lovejoy morreu aos 80 anos em Washington - Paula Giolito/Folhapress (05.ago.2011)

Para muitas delas, como Al Gore, na época senador, depois vice-presidente americano e prêmio Nobel da Paz, a experiência foi como uma epifania. Grandes jornalistas, atores de cinema, políticos, autoridades e diplomatas refizeram suas ideias sobre o meio ambiente após essas visitas promovidas por Lovejoy.

Em sua casa do século 18 em Virgínia, perto de Washington, realizava reuniões com políticos, ambientalistas, acadêmicos brasileiros e americanos para discutir os rumos do Brasil, em especial no campo da ecologia.

Respeitado como um dos mais importantes cientistas na área da biologia (em 2012 recebeu o prêmio Blue Planet, considerado equivalente ao Nobel na área do meio ambiente), cunhou o conceito de biodiversidade e foi um dos primeiros a defender a ideia do uso de créditos de carbono para proteger florestas.

Tão relevante (ou mais) que seu trabalho acadêmico, foi o que realizou como divulgador da causa conservacionista. Durante 14 anos nas décadas de 1970 e 1980, ajudou a transformar o World Wildlife Fund numa das mais importantes entidades de seu tipo no mundo.

Foi conselheiro para temas ambientais dos presidentes Ronald Reagan, George H. Bush e Bill Clinton, e assessorou informalmente os presidentes Barack Obama e Joe Biden. Foi um dos criadores da série de programas "Nature" na televisão pública americana, colaborava com a revista National Geographic.

Trabalhou no Banco Mundial, no Banco Interamericano de Desenvolvimento, na Fundação das Nações Unidas, sempre para ajudar essas instituições a tomar decisões sobre assuntos ambientais.

Era tão presente nas publicações acadêmicas como nas de interesse geral. No Brasil, o veículo em que mais teve artigos editados foi esta Folha (o último, intitulado "Reflorestar a Amazônia", em coautoria com André Guimarães, diretor do Ipam, saiu em 16 de setembro último).

Seu mais recente artigo científico de relevo também foi escrito em parceria com um brasileiro, Carlos Nobre, do Inpa, na revista "Science Advances", em fevereiro de 2018, sob o título "Amazon Tipping Point", e dele consta o alerta de que o desmatamento na Amazônia está próximo de atingir o ponto de não retorno se medidas drásticas e urgentes não forem tomadas para detê-lo.

Em agosto deste ano, Lovejoy informou a amigos que havia sido diagnosticado com câncer no pâncreas, mas que segundo seu oncologista era de um tipo que podia ser tratado com hormônios e que ele ainda tinha "muitos anos pela frente".

"Estou bem, com 90% de minha energia normal e ocupado como sempre", ele dizia no fim da mensagem. De fato, produziu muito nos meses seguintes. Terminou um livro ainda não editado ("Ever Green: Saving Big Forests to Save the Planet"), com John Reid, economista da ONG Nia Tero, que ajuda grupos indígenas a proteger e explorar de modo sustentável seus territórios".

Em 2 de novembro, o "New York Times" publicou com destaque artigo de Lovejoy e Reid com o título "The Road to Climate Recovery Goes Through the Wild Woods".

Lovejoy morreu no dia de Natal, aos 80 anos, em Washington.

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