sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

De Ulysses a Mendonça, faculdade do interior de SP faz sucesso sob Bolsonaro, FSP

 Cristina Camargo

SÃO PAULO

Bauru, no interior de São Paulo, tem estátua da Havan, trevo com apelido de cafetina, a Eny, e uma réplica da Torre Eiffel em frente ao prédio pioneiro da ITE (Instituição Toledo de Ensino), onde se formaram André Mendonça, que toma posse nesta quinta (16) no STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e a presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a advogada Cláudia Mansani Queda de Toledo.

Mas qual é a relação da réplica de dez metros de altura com uma das universidades particulares da cidade de 381 mil habitantes?

A explicação é o fundador da antiga ITE, hoje Centro Universitário de Bauru, o educador Antônio Eufrásio de Toledo, admirador do lema da Revolução Francesa, liberdade, igualdade, fraternidade. A torre foi colocada ali quando a instituição, fundada em 1951, completou 25 anos.

Réplica da Torre Eiffel na ITE, em Bauru - iteoficial no Instagram

Mendonça, Ribeiro e Queda não são os únicos nomes famosos do mundo do poder a terem em comum a passagem pelo centro universitário bauruense.

O primeiro diretor da faculdade de direito idealizada por Toledo foi o deputado Ulysses Guimarães, próximo ao fundador. O político, já influente, teria ajudado o amigo nas tratativas burocráticas para a consolidação do curso, onde deu aulas de direito constitucional.

Também foi formado pela ITE o jurista Damásio Evangelista de Jesus, advogado criminalista, autor de mais de 20 livros e fundador do Damásio Educacional, conhecido curso preparatório para carreiras jurídicas. Damásio morreu em 2020.

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Nascido em Cambuí (MG), Toledo era professor, teve jornal e foi preso após fazer oposição ao presidente Getúlio Vargas.

De acordo com a história contada pela família, escolheu Bauru por acaso para o seu pioneirismo universitário. Ele estava a caminho de Ribeirão Preto, a 210 km de distância, para uma palestra, quando conheceu a cidade e decidiu ficar.

A ITE começou com a criação de cursos técnicos, depois vieram as faculdades de direito, educação física, ciências econômicas, ciências contábeis e serviço social.

Hoje oferece também os bacharelados em administração, análise e desenvolvimento de sistemas, ciências aeronáuticas, engenharia de produção, pilotagem profissional de aeronaves e sistemas de informação, todos presenciais.

O curso de educação física não existe mais. O centro universitário possui especializações, mestrado e doutorado. Há também cursos tecnológicos, como gestão hospitalar, logística e marketing, presenciais e a distância.

O curso de direito da instituição tem nota 3 no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes). No RUF (Ranking Universitário Folha), de 2019, e aparece em 139º lugar. A mensalidade é de R$ 1.200. Os alunos pagam 12 parcelas por ano, sendo que a primeira é considerada a matrícula.

Não há taxa de inscrição para o vestibular, e as provas, agendadas, podem ser presenciais ou online. A universidade aceita também inscrições via Enem, com nota igual ou superior a 450 pontos.

A instituição comemorou a aprovação de André Mendonça para o STF. Além de ex-aluno, formado em 1993, ele é professor do programa de pós-graduação. "É um dos grandes destaques nacionais da ITE e seu celeiro de talentos, que há mais de 70 anos forma campeões", disse, em nota, o centro universitário.

HERDEIROS

Toledo morreu em 1978, aos 77 anos, e, desde então, a ITE passou a ser administrada pelos herdeiros, nem sempre de forma harmoniosa.

Mauro Leite de Toledo, o quarto dos 11 filhos do patriarca, foi secretário-geral da instituição durante 50 anos e, no início dos anos 2000, denunciou familiares ao Ministério Público e à Polícia Federal por fraudes contábeis, pagamentos irregulares e transações imobiliárias suspeitas.

Entre os acusados no depoimento do secretário-geral estava um de seus irmãos, Antônio Eufrásio de Toledo Filho, o Toledinho.

Ex-revendedor de cerveja em um período em que preferiu atuar profissionalmente longe da família Conhecido na cidade pelo perfil boêmio e pela proximidade com o Esporte Clube Noroeste, Toledinho ocupava o cargo de coordenador do conselho gestor da ITE quando as denúncias foram feitas.

Reportagem da Folha de 2002 mostrou as irregularidades denunciadas por Mauro. Recursos da instituição, que gozava de título de filantropia, seriam direcionados a familiares que controlavam o local, incluindo a futura presidente da Capes.

Na época, as denúncias provocaram o indeferimento do pedido de renovação do certificado filantrópico junto ao CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social).

Outro filho do fundador, Maurício Leite de Toledo, foi vereador em Bauru (1964-1968) e deputado federal (1971-1974).

Márcio Leite de Toledo, o caçula, teve um destino trágico. Militante da ALN (Ação Libertadora Nacional) durante a ditadura militar (1964-1985), ele foi morto aos 26 anos pela própria organização, com oito tiros, em São Paulo.

Márcio havia treinado em Cuba para a guerrilha e foi assassinado pouco depois de voltar ao Brasil, em 1971, acusado de displicência ao participar de uma ação armada, após um sumiço de 40 dias.

Ele fazia críticas aos dirigentes da organização e defendia o recuo da luta armada, depois das mortes dos líderes Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira.

Em 2007, a família enfrentou mais um drama. Aos 39 anos, o diretor administrativo da ITE, Edson Márcio de Toledo Mesquita, neto do fundador, morreu em acidente de carro na rodovia que liga Bauru a Jaú. Tinha o nome do tio guerrilheiro e planos de dar continuidade ao legado do avô.

Os Toledo criaram outras unidades universitárias em cidades do interior. Alguns desses centros universitários ainda são administrados por integrantes da família, como em Botucatu e Presidente Prudente.

Em 2019, a Yduqs, antiga Estácio, comprou a UniToledo, também criada pela família, em Araçatuba.

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A presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Cláudia Queda de Toledo, durante entrevista em seu gabinete em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Cláudia Toledo, a presidente da Capes, era reitora do centro universitário fundado pelo avô de seu marido em Bauru quando foi indicada pelo ministro da Educação para o cargo.

Aos 51 anos, mãe de duas jovens e filha de um ex-vereador, a advogada enfrenta críticas e a renúncia de mais de cem pesquisadores ligados a processos de avaliação de pós-graduação.

Os pesquisadores criticam supostas pressões para acelerar a abertura de novos cursos e aprovar ofertas a distância, além de apontarem descaso na avaliação dos programas.

Em entrevista à Folha, ela chamou as renúncias de insurgências. "Sou a quarta mulher [à frente] da Capes em 70 anos. Os números gritam o preconceito, a misoginia", disse.

A atual reitora do Centro Universitário de Bauru, Roberta Cristina Paganini Toledo, neta do fundador, foi procurada para falar sobre a instituição, mas não pôde falar por motivos pessoais. O marido dela, Paulo Lew, também professor, faz postagens anti-Bolsonaro nas redes sociais.

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