Quantas pessoas morreram na pandemia por causa de fake news sobre distanciamento social, máscara e vacinas? Infelizmente, muito mais do que zero.
E essas informações falsas só puderam fazer seu estrago graças ao meio propício que encontraram: as redes sociais. Faz sentido, portanto, pensar em alguma regulamentação para mitigar esses riscos. Novos problemas exigem novas respostas.
Ocorre que o PL das fake news, em tramitação no Congresso, não tem essas respostas e, em seu zelo de regulamentar, pode até matar as novas tecnologias.
Ele já começa enganoso no nome: as fake news são quase um detalhe no texto, cujo foco é a regulamentação econômica das empresas de redes sociais, coisas muito diferentes. Parece ter sido feito sob encomenda pelas empresas da mídia tradicional para dificultar a vida de suas novas competidoras.
Há motivos para ver com ressalvas o triunfo das redes sobre a mídia tradicional. Apesar de conquistar cada vez mais usuários, elas não desempenham uma das principais funções da imprensa: o jornalismo, isto é, ir atrás, apurar e redigir informações relevantes para o público. Usam o conteúdo do jornalismo para alimentar seu engajamento, mas não pagam por ele.
Algumas tentativas de corrigir isso, contudo, são um verdadeiro tiro no pé. Uma delas, presente no PL, é cobrar as redes por cada thumbnail gerada com links de notícias —aquele quadrinho com manchete e foto que se abre quando alguém publica um link para algum jornal, que serve como uma amostra do conteúdo.
De duas, uma: ou as redes vão apenas parar de gerar thumbnails, e menos gente clicará em links jornalísticos (o link nu e cru não é nada convidativo), reduzindo ainda mais a penetração da imprensa no debate público. Ou seja, piorando o problema das fake news.
Ou, na melhor das hipóteses, as redes fecharão contrato com alguns grandes grupos de mídia, cujos links continuarão produzindo thumbnails, e jogará no ostracismo jornais menores, reduzindo a concorrência e cartelizando ainda mais o setor.
Em outros momentos, o PL parece apenas um projeto para ferir de morte o modelo de negócios das redes sociais: elas entregam seus serviços gratuitamente aos usuários e faturam vendendo as informações de uso deles para empresas fazerem publicidade direcionada. Pelo projeto em discussão, isso será proibido.
A publicidade sempre foi direcionada, mesmo na televisão e na mídia impressa.
A publicidade nas páginas do jornal Extra não é a mesma da The Economist. As propagandas no intervalo do futebol não são as mesmas da novela das seis.
As redes levam isso à perfeição: entregam ao indivíduo aquilo que ele quer (às vezes antes mesmo de ele saber que quer). O crime delas é fazer melhor aquilo que TVs e jornais sempre tentaram?
Novas tecnologias surgem e causam disrupções, tirando espaços ocupados por poderosos de outrora que se veem ameaçados.
Não há anjos nem demônios nessa história, mas uma lição é clara: o sentido do avanço tecnológico é um só e, salvo catástrofes civilizacionais, não tem volta.
O melhor que podemos fazer é tentar mitigar alguns de seus piores aspectos sem comprometer seus ganhos e oportunidades. O PL das fake news, da forma que está, apenas trava o progresso tecnológico e, se aprovado, nos condenará ao atraso em mais essa área.
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