O papa Francisco convocou um sínodo para 2023. Quer-se discutir a própria "sinodalidade", isto é, a implementação de um modelo de governo eclesiástico caracterizado pela maior participação e responsabilidade de todos os católicos: leigos e clérigos. A etimologia do vocábulo "sínodo", expressa no mote "caminhar juntos", ajuda-nos a compreender a intenção do bispo de Roma. Neste artigo, enfatizarei algumas das nuanças da contrarrevolução engendrada pelo sumo pontífice.
A democracia atual das repúblicas, consistente no poder que emana do povo, não se enquadra exatamente no grêmio da Igreja Católica. Com efeito, o povo de Deus (leigos e clérigos) não elege os bispos, posto que tal práxis pertença à história remota. Exemplifico com o sufrágio, porquanto tal expediente social parece definir a democracia, sem, é claro, exaurir o conceito. Contudo, a democracia dos Estados e a democracia ansiada por muitos católicos supõem certos comportamentos e valores que se aplicam ao novo modelo sinodal, de caminhar juntos, em comunhão, que o atual sucessor de são Pedro deseja inculcar na igreja.
Lembro-me que dom Paulo Evaristo Arns, de saudosíssima memória, consultava os católicos da Arquidiocese de São Paulo acerca das prioridades da ação pastoral. Assim, escolhiam-se, exemplificativamente, a saúde, a moradia e o trabalho como problemas a serem enfrentados pela igreja à luz do evangelho, mormente da doutrina social. Ora, eis aqui uma conduta que ninguém titubearia em chamar de democrática!
Mas vamos além. A democracia na igreja certamente passa pela ordenação de mulheres ao diaconato. O papa são João Paulo 2º declarou, "ex cathedra" (minha opinião), que a igreja não tem poder de admitir as mulheres ao sacerdócio (carta apostólica "Ordinatio Sacerdotalis"), mas as portas não estão dogmaticamente cerradas para as diaconisas, as quais integrariam a hierarquia da Igreja, formada por diáconos, padres e bispos. A democracia na Igreja passa outrossim pela "criação" de mulheres cardeais, pois o cardinalato, na essência, não está atrelado ao sacramento da ordem. A história da Igreja Católica registra a nomeação de leigos (homens) para o cardinalato. Grandes progressos democráticos!
Sem embargo, a atual legislação canônica permite um avanço muito maior do que o clericalismo retrógrado praticado hoje em dia, malgrado veementemente censurado pelo papa Francisco. Assim, um leigo ou uma leiga pode atuar como chanceler da cúria diocesana; cargo importantíssimo e de grande responsabilidade na condução dos assuntos que tocam ao povo de Deus. Encomie-se, por exemplo, dom Paulo Mendes Peixoto, que designou uma mulher, leiga, para assumir a função de chanceler na Arquidiocese de Uberaba (MG)! Grandes progressos democráticos!
Se pensarmos nos meandros do ordenamento jurídico-moral vigente, a democracia na igreja passa também pelo acesso dos casais em segunda união ao sacramento da eucaristia, depois de análise, no foro interno, de caso a caso, como prescreve a exortação do papa Francisco "Amoris Laetitia" (n. 305), norma desafortunadamente menoscabada por muitos eclesiásticos.
O amantíssimo papa Francisco, que inovou sobremaneira ao incumbir uma freira e, portanto, uma leiga (todas as freiras são, juridicamente, leigas) para a subsecretaria do sínodo, vem tomando inúmeras providências, visando ao equacionamento das responsabilidades governativas. Recentemente, o santo padre nomeou outra freira como secretária-geral da Governança da Cidade-Estado do Vaticano e um leigo, advogado, como vice-diretor. O clero, infelizmente tão escasso, deve se concentrar nas suas atividades sacramentais típicas: celebração da missa, oitiva de confissões etc. É isto que os católicos necessitam dos padres. E é o essencial na igreja!
O Espírito Santo decerto reserva-nos muitas surpresas boas no porvir bem próximo. Aguardemo-las, cônscios de que nenhuma mudança desfigurará a natureza e o objetivo da Igreja Católica, pois, consoante a promessa de seu divino fundador, "as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16,18).
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