quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Paul Krugman - As críticas falsas ao Reconstruir Melhor, FSP

 O esforço do governo Biden para criar um futuro melhor para os Estados Unidos, chamado Reconstruir Melhor, está pousado no gume de uma faca política. Ninguém sabe quando ele se tornará lei. O que sabemos é que para que seja aprovado no Congresso ele terá de suportar uma tempestade perfeita de má-fé, má lógica e má aritmética.

Começando pelo começo: o Reconstruir Melhor é basicamente um plano de investimento no futuro dos Estados Unidos. Aproximadamente um terço dos gastos propostos é com crianças: pré-escolas, creches e créditos fiscais que reduziriam em muito a pobreza. Outro terço é gasto para ajudar a reestruturar a economia de modo a limitar a mudança climática. Se você incluir a lei de infraestrutura já aprovada, a agenda de Biden é majoritariamente voltada para o futuro.

E temos todos os motivos para acreditar que esses investimentos seriam altamente produtivos. Isso é claramente verdade em relação à ajuda às crianças. Há evidências avassaladoras de que ajudar crianças em desvantagem econômica as torna muito mais saudáveis e produtivas quando chegam à idade adulta; os benefícios são tão grandes que até em um sentido fiscal estrito a ajuda às crianças pode muito bem se pagar em longo prazo.

O mesmo vale para o investimento ambiental. A maior parte da discussão sobre esse investimento se concentra na mitigação em longo prazo da mudança climática, e com razão: a perspectiva do colapso da civilização tende a concentrar a mente.

O presidente Joe Biden na Casa Branca em Washington DC, EUA - Nicholas Kamm - 13.dez.2021/AFP

É importante notar, porém, que reduzir nossa dependência dos combustíveis fósseis não apenas reduziria as emissões de gases do efeito estufa. Também diminuiria outras formas de poluição, notadamente óxidos de nitrogênio e enxofre, que têm efeitos negativos nas taxas de mortes, doenças e produtividade agrícola. E os benefícios da poluição reduzida chegariam rapidamente.

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Um estudo recente da Nasa sugeriu que os ganhos para a saúde da política de mitigação climática não só valeriam trilhões de dólares, como também se materializariam com rapidez suficiente para superar qualquer custo da transição energética em uma década ou menos.

Então como alguém pode ser contra esses investimentos?

Acho que as convenções de reportagem exigem que os jornalistas finjam acreditar que os republicanos têm objeções de boa-fé ao plano de Biden —que eles estão preocupados com a dívida, ou o efeito sobre os incentivos, ou alguma coisa. Mas todos sabemos que sua principal objeção é simplesmente o fato de que é uma iniciativa dos democratas, o que significa que precisa falhar.

E também taxaria os ricos e ajudaria os pobres.

Na verdade, alguém pode se lembrar da última vez que figuras importantes do Partido Republicano se envolveram seriamente com verdadeiras preocupações políticas? O exemplo recente mais importante de que me lembro foi a aprovação do programa de seguro-saúde para crianças, em 1997. Desde então foi má-fé.

Enquanto a mais importante fonte de oposição ao Reconstruir Melhor é simplesmente o desejo de ver Biden falhar enquanto mantém os ricos o mais ricos possível, pode haver alguma preocupação sincera de que a lei aumente os déficits orçamentários.

Na verdade, ela não teria um impacto significativo na dívida —o Escritório de Orçamento do Congresso diz que os gastos estão quase completamente pagos, e tentativas de afirmar o contrário não são verossímeis. No entanto, mesmo que o déficit aumentasse, por que isso seria tão ruim?

Fiquei chocado outro dia com a declaração de Elon Musk de que o Reconstruir Melhor não deve ser aprovado porque aumentaria o déficit orçamentário.

Fato interessante: a Tesla foi fundada em 2003 e teve seu primeiro ano rentável em 2020. Isto é, passou 17 anos gastando mais do que recebia, porque estava investindo no futuro. Se, como muitos executivos gostam de dizer, o governo deve ser conduzido como uma empresa, por que não deveria se dispor a fazer a mesma coisa?

Mais uma vez, a maior parte dos gastos propostos consistiriam em investimentos altamente produtivos.
Finalmente, há muita conversa sobre como o Reconstruir Melhor poderia agravar a inflação —conversa que parece envolver principalmente uma falha ao fazer as contas, por exemplo, confundindo décadas com anos individuais e deixando de dividir pelo Produto Interno Bruto.

É verdade que o preço da lei, US$ 1,75 trilhão (R$ 9,87 trilhões), é, na superfície, muito dinheiro. Mas são gastos ao longo de dez anos, o que significa que os gastos anuais seriam muito menores que o plano de resgate de US$ 1,9 trilhão (R$ 10,72 trilhões) aprovado no início deste ano, ou mesmo a lei de defesa anual de US$ 768 bilhões (R$ 4,33 trilhões) que a Câmara aprovou na semana passada.

Também, grande parte dos gastos seria paga com novos impostos. Além disso, nunca se deveria citar um número de orçamento impressionante sem colocá-lo em contexto. Lembre-se, a economia dos Estados Unidos é enorme. O Escritório do Orçamento avalia que em seu primeiro ano o Reconstruir Melhor ampliaria o déficit em 0,6% do PIB, número que encolheria com o tempo.

Não conheço nenhum modelo econômico que indique que gastos nessa escala fariam muita diferença na inflação. E, como grande parte dos gastos expandiria a capacidade produtiva da economia, provavelmente reduziriam a inflação com o tempo.

O Reconstruir Melhor é perfeito? É claro que não. Mas é a melhor legislação que provavelmente teremos nos próximos anos. E alegações de que deveríamos deixar passar esta oportunidade por preocupações sobre a responsabilidade fiscal ou a inflação são desinformadas no melhor dos casos, desonestas no pior.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves


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