Quem não se lembra do famigerado cálculo matemático utilizado por seguidores de Jair no prelúdio da pandemia que comparava a quantidade de óbitos por Covid-19 com o total do universo populacional, justamente para minimizar a gravidade da doença? Posteriormente, o movimento adotou a tese da “gripezinha” insonsa; cerrou fileiras em objeção ao distanciamento social; relativizou as crises sanitárias em Manaus; ratificou o retardamento da aquisição de vacinas mediante a defesa de fármacos ineficazes; zombou do conhecimento científico, entre tantas outras atitudes obscurantistas, com o objetivo de respaldar a verborragia do Presidente da República. Nesse contexto, a lógica do bolsonarismo fundamenta-se na fanatização de seus membros, pela supressão do pensamento crítico e no aniquilamento do discernimento coeso. O adepto a permanecer nas fileiras do “conservadorismo messiânico” necessita romper com o mundo ilustrado e adentrar na bolha ficcional desenhada com contornos característicos da empunhadura de Josef Goebbels. São pessoas que apresentam a consciência em estado alterado, levadas ao limite de apoiar a realização de comício eleitoral improvisado na “região baiana onde inundações mataram 5 moradores e feriram 175, deixando 6.472 pessoas desalojadas e 3.744 desabrigadas”; de aplaudirem o aparelhamento e desmonte do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) - responsável por preservar e proteger as raízes da história brasileira; de legitimarem as tentativas de intimidação ao corpo técnico da agência reguladora (Anvisa) que autorizou a vacinação de crianças contra o Coronavírus. Em nome de combater a corrupção endêmica, defender a família tradicional e elevar os valores cristãos aos patamares de política governamental, se predispõem a reacender as chamas da intolerância. Uma abordagem perturbadora, oriunda de segmentos ressentidos e inaptos na compreensão do que está em jogo, uma vez que os sentimentos de empatia, generosidade, compaixão e solidariedade estão condicionados ao embate face ao diferente e canalizados ao extermínio do discordante. Assim, a dinâmica bolsonarista vem se transformando em manifestações continuadas de devoção cega, ou seja, a vontade do líder se sobrepõe a quaisquer divergências ou princípios. “Hitler acreditava mesmo em sua própria grandeza... desprezava os intelectuais, razão pela qual não atribuía sua infalibilidade ou onisciência a qualquer esforço intelectual de sua parte. A propósito, esbravejava coisas como: excessivamente instruídos, cheios de conhecimento e intelecto, mas vazios de instintos sólidos. Hitler achava que havia sido enviado para a Alemanha pela Divina Providência e que tinha uma missão a cumprir” (Walter C. Langer). Se considerarmos que Fernando Henrique Cardoso inaugurou a premissa de que a nação poderia ser gerida a partir de postulações racionais e humanizantes e visto que Lula representou a possibilidade do nordestino retirante ser alçado ao comando da pátria, Bolsonaro em 2018 significou a ascensão da precariedade cultural e sua consequente deturpação na visão relativa ao aparato burocrático. Portanto, essa doutrina consolida a categoria lastreada nos instintos primitivos em detrimento das conceituações validadas pela sapiência. Dessa maneira, a infantilização de seus discípulos através dos domínios regidos por gatilhos paranoicos equivale ao mecanismo de distorção que interfere diretamente na capacidade cognitiva, fazendo com que indivíduos outrora incorporados ao espaço das significâncias concretas sejam transmutados em seres delirantes e desprovidos de assimilação das resultâncias distópicas do guia. Esse tipo de modelo não cria monstros, apenas os desperta, tal como aconteceu com Amon Göth, o carniceiro de Plaszow, na Cracóvia.
Nilton C. Tristão
Cientista Político
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