Em 25 de dezembro de 1991, um exausto Mikhail Gorbatchov foi à televisão e dirigiu-se pela última vez a seus compatriotas soviéticos para anunciar que o império comunista centrado em Moscou havia cessado de existir.
A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas já não era o que seu nome dizia havia meses, mas o momento entre o solene e o patético permitiu marcar com rara precisão um fato histórico ímpar.
A academia ainda disseca as sete décadas de um experimento social inédito, que fez a ponte entre um Estado feudal e uma superpotência nuclear, vitoriosa numa guerra mundial e líder em campos como a conquista do espaço.
O mesmo colosso impôs uma brutal anulação da liberdade individual, gerando fome e violências indescritíveis a seus cidadãos e àqueles de países sob a influência da adequadamente chamada Cortina de Ferro na Europa.
A implosão do sistema comunista, antes de tudo por suas contradições intrínsecas, liberou uma onda de otimismo nos anos 1990, com apressados falando até no fim da história e na vitória definitiva da democracia liberal como modelo de organização da humanidade.
Que o dito socialismo real não fosse melhor alternativa, isso era claro. Entretanto poucos poderiam dizer que, 30 anos depois daquele dezembro, autoritarismos estariam em alta e os impactos do fim da União Soviética ainda ditariam rumos da política internacional.
Se hoje há um risco real, ainda que reduzido, de a Rússia invadir a Ucrânia e entrar em choque com o Ocidente, é porque o Kremlin viu suas fronteiras encolherem e a Otan avançar suas tropas rumo às proximidades de seu território.
Parece inaceitável na prática para governos a oeste da Rússia, mas é a realidade para um país que sofreu quatro grandes invasões desde o século 18. Profundidade estratégica, o conceito de se defender com aliados ou ao menos vizinhos neutros, é central a Moscou.
Na psique política, o fantasma do comunismo segue rondando cabeças fantasiosas, do interior americano à campanha eleitoral deste ano no Chile, passando pelas redes sociais bolsonaristas.
Mais importante, a debacle de 1991 guia comportamentos no gigante comunista do mundo moderno, a China. Por óbvio, é incomparável a dinâmica de Pequim e da antiga Moscou. Isso dito, o Partido Comunista Chinês aprendeu as lições do fracasso da URSS.
Capitalizou ao máximo suas potencialidades econômicas e entrou em simbiose com o mercado mundial, mantendo ao mesmo tempo um totalitarismo que só tem crescido, fugindo da "glasnost" que ao fim selou o destino soviético.
O quão de barro se mostrarão os pés da fórmula que ora dá esperança aos esquerdistas nostálgicos, apenas o tempo, a exemplo do caso da União Soviética, dirá.
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