quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

O poder acima do cargo, Ruy Castro, FSP

 Um dia, se o Brasil acordar sem Jair Bolsonaro, olharemos em torno e só então faremos ideia do que sobrou —se sobrou. Nunca um governante terá destroçado em tão pouco tempo as bases do país.

A princípio, parecia só um estúpido, irresponsável, destrambelhado, e assim atravessou o primeiro ano de mandato, provocando em muitos apenas indignação: "É louco!", "Sabe o que ele disse hoje?" ou "Como pode um sujeito desses ser presidente?". Outros, no entanto, entre os quais este colunista, viram desde cedo que havia um método naqueles supostos desatinos. Bolsonaro nunca fez, assinou ou disse nada que não significasse um passo na sua progressiva tomada do poder.

PUBLICIDADE

Você dirá que, eleito por milhões que acreditavam nele e outros tantos que odiavam o PT, Bolsonaro já estava no poder. Não. Estava apenas no cargo. O poder foi o que ele se dedicou a conquistar com o desmonte das instituições —ambiente, educação, saúde, cultura, costumes, relações exteriores— e a infiltração de biltres de sua confiança nas instâncias que realmente importavam: os órgãos de controle da Justiça, da polícia, dos militares, da informação, do orçamento. Infiltrar significa penetrar como filtro, imiscuir-se lentamente, embeber, impregnar e, principal objetivo, bloquear.

Em três anos, Bolsonaro conseguiu. Ninguém o pega. Seus crimes são expostos, denunciados, vão a escalões inéditos nas entranhas da lei, como a CPI da Covid, e estacionam, perdem o efeito, são extintos. Matou centenas de milhares de brasileiros na pandemia, condenou milhões a roer ossos ou morrer de fome e continua assobiando no azul. Sente-se garantido. Seu ostensivo alheamento à eleição de 2022 é revelador. As pesquisas indicam que levará uma tunda, talvez até no primeiro turno, e, pelo visto, tanto se lhe faz.

Talvez porque conte com a proteção da força que, com o perdão das senhoras da categoria, ele também prostituiu: o Exército.

Nenhum comentário: