sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

O cérebro trapaceiro, Hélio Schwartsman, FSP

 Todo ser humano pratica o autoengano, que é o que lhe permite navegar pelas contradições em que se mete sem aniquilar a autoimagem. Especialmente nos políticos, o autoengano é complementado por doses generosas de hipocrisia. Não é algo a lamentar. Seria impossível fechar acordos e até encetar negociações políticas, se as pessoas não fossem capazes de perdoar desavenças passadas, rever posições e, no limite, transigir com princípios. Algumas linhas vermelhas precisam ser mantidas, ou instauraríamos o cinismo pleno, mas elas variam de indivíduo para indivíduo.

O presidente Jair Bolsonaro, durante saudação a um grupo de militantes em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro, durante saudação a um grupo de militantes em Brasília - Pedro Ladeira - 30.nov.21/Folhapress

Como fica Jair Bolsonaro nesse mapa da hipocrisia? Dado que não sou grande fã dele, seria tentador pintá-lo como um cínico sem estribeiras, que mente deslavadamente para obter o que deseja, mas não creio que seja tão simples. Senão por outros motivos, mente melhor o sujeito que acredita nos próprios engodos. E Bolsonaro levou 58 milhões de brasileiros no papo.

Não penso, por exemplo, que o presidente tenha sido sincero em sua conversão ao liberalismo, que jamais soou convincente. Mas será que podemos dizer o mesmo de sua propalada disposição para combater a corrupção? Se Bolsonaro pareceu autêntico quando dizia que acabaria com a roubalheira, como conciliar isso com o envolvimento da família nas "rachadinhas"? Hipocrisia ou autoengano?

Acho que há aqui uma boa dose de autoengano. O cérebro pode ser criativo na hora de inventar desculpas. Um caminho é dizer a si mesmo que as verbas parlamentares pertencem ao parlamentar. O modo como ele as gasta (quanto vai para atividades, quanto, para o bolso) é um detalhe que nem deveria estar sob escrutínio público. É obviamente uma forma errada de pensar, mas é o tipo de erro para o qual o autointeresse empurra sem dificuldades uma pessoa.

Para desenhar instituições melhores, precisamos compreender as brechas de que o cérebro se vale para tentar tirar vantagens indevidas.


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