O professor Mário Henrique Simonsen ensinava: se for bem enunciado, o problema mais difícil do mundo um dia será resolvido. Mal enunciado, o problema mais fácil do mundo jamais será resolvido.
Lula e Bolsonaro meteram-se na discussão do calote do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, o Fies.
Na teoria, ele custearia as anuidades de jovens universitários que cursavam a rede privada de ensino. Na prática, desde 2011 ele virou um mecanismo que permitiu a transferência do risco da inadimplência para a conta da Viúva. Atendeu 3,4 milhões de jovens e tem a receber R$ 123 bilhões, ervanário superior ao déficit da União neste ano. Desse valor, R$ 27,9 bilhões foram contabilizados como ajustes para perdas.
Lula promete anistiar os devedores. Bolsonaro rebate: "Por que não fez lá atrás, pô? Está aí de sacanagem".
Noves fora a linguagem, quem abriu a porteira não foi Lula, mas Dilma Rousseff. O capitão correu atrás e agora oferece uma renegociação dessas dívidas. Está no seu terceiro ano de governo e ainda não apresentou um programa que faça sentido. Há pouco, mimou as universidades privadas aninhando-as no Prouni.
O Fies foi um jabuti financeiro disfarçado de girafa social. Só enganou quem jamais havia visto qualquer dos dois bichos.
Enunciava mal o problema do jovem que entra para uma faculdade e não tem recursos para pagar as anuidades, resolvendo de maneira ampla, geral e irrestrita a questão do faturamento das faculdades privadas.
Era um empréstimo que desprezava a figura do fiador. Pior, dava bolsas até mesmo a estudantes que haviam tirado zero em provas do Enem. Durante sua breve passagem pelo Ministério da Educação, Cid Gomes quis pôr ordem nessa bagunça, e o presidente da guilda das escolas privadas atacou-o: "O governo fez uma cagada. (...) O ministro não é do ramo".
Bem enunciado, o problema do financiamento dos estudantes é administrado a duras penas nos Estados Unidos. Lá, o jovem Barack Obama só quitou sua conta com Harvard muitos anos depois, quando era senador. Do jeito que vão as coisas em Pindorama, o problema continuará aí.
Lula justifica a anistia argumentando que há empresários caloteiros. Bolsonaro condena sua proposta falando numa renegociação que não começou. É bom lembrar que os donos de faculdades já receberam o seu e não há como pegar de volta a anuidade de um aluno que tirou zero na prova de redação e nunca pensou em pagar o que devia. No auge da festa, as faculdades estimulavam a migração dos alunos para a Bolsa da Viúva.
Lula e Bolsonaro não se mostraram dispostos a expor o essencial: a privatização do dinheiro público num programa condenado ao calote e ao enriquecimento de empresários espertos. O capitão baixou o nível de uma discussão mal posta e insultou o adversário. Esse é seu estilo, e vai piorar.
O economista Paulo Guedes sabia do que falava quando denunciava as "criaturas do pântano político, piratas privados e burocratas corruptos, associados na pilhagem do Estado". Há quatro meses ele estuda uma anistia parcial, associada à renegociação. Falta mostrar quem foram os piratas privados, que se associaram a burocratas enganadores usando o nome da garotada para pilhar a Viúva.
O caso do Fies é uma batalha perdida. Visitá-lo serve para apontar o mau caminho que começa a tomar o debate da sucessão presidencial.
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