quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Tentações de romper com o equilíbrio fiscal precisam cessar, Antonio Delfim Netto, FSP

 A inflação continua a preocupar e a causar estrago no consumo e na renda das famílias, principalmente das mais pobres. Atingiu elevados 9% nos 12 meses terminados em julho, acima da meta de 3,75% para 2021.

Ainda que sobre a base deprimida do ano passado, o que tem impacto relevante (como mostrou análise recente do BIS), alguns fatores explicam a dinâmica da inflação global desde meados de 2020. Um deles é o comportamento dos preços internacionais das commodities, impulsionado pela forte demanda internacional, notadamente da China.

A “reflação” global e a recuperação da atividade deram-se em ritmo surpreendente. Esperava-se que o corte de demanda produzisse queda generalizada dos preços na pandemia, mas o que se viu foi a canalização de boa parte da demanda de serviços para bens, sem que houvesse ajuste na oferta. Setores não foram capazes de antecipar a demanda (e sua intensidade) e houve uma completa disrupção dos processos produtivos, com falta de insumos em geral, além do caos logístico, com filas de embarque e elevação monumental no preço de fretes e containers.

Trata-se, portanto, de um fenômeno de natureza global, cuja intensidade difere entre países por razões idiossincráticas. No Brasil, a elevação do preço da energia é reforçada pela maior seca dos últimos 91 anos. A extraordinária desvalorização cambial, pela turva perspectiva fiscal e política, impede que o câmbio amorteça parte da pressão vinda das commodities.

É sempre tentador culpar o Banco Central pela dinâmica inflacionária. Dado o contexto atual, os sucessivos choques sofridos e o ineditismo da situação como um todo, não parece ter havido erro crasso na condução da política monetária a partir das informações disponíveis no momento de tomada das decisões, a não ser, talvez, para aqueles que o avaliam quando o futuro já virou passado...

O padrão da inflação brasileira hoje é parecido com o de seus pares, ainda que em nível inegavelmente mais elevado. É preciso lembrar, também, que o Brasil costuma ter, com certa frequência, inflação mais alta que esses países. Uma das pistas para entender a razão está onde sempre esteve: em nosso desfavorável perfil fiscal (o que não será resolvido com a redução agressiva das metas de inflação...).

O BC, agora com autonomia “de jure”, tem todos os instrumentos para conter a disseminação do processo inflacionário e a contaminação das expectativas para os próximos anos. O que precisamos, de maneira coadjuvante, é compreender que a perspectiva de solvência fiscal é fundamental. E, para isso, os ruídos e as tentações de romper com o equilíbrio fiscal precisam cessar.

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