Celso Ming*, O Estado de S.Paulo
29 de setembro de 2021 | 20h26
As projeções mais ousadas sobre o avanço dos preços internacionais do petróleo estão sendo confirmadas. Na última terça-feira, a cotação do barril (196 litros) de óleo tipo Brent (referência do Mar do Norte) ultrapassou os US$ 80 pela primeira vez em três anos. E a tendência é de alta.
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De repente, ficou evidenciada uma forte escassez de combustíveis, principalmente de gás natural – com que a maioria dos analistas não contava.
Por toda a parte, sobreveio uma crise de energia. Não foi apenas o aumento do calor no Hemisfério Norte no último verão que exigiu mais dos aparelhos de ar-condicionado e do consumo de energia elétrica. A recuperação da pandemia, especialmente na China e nos Estados Unidos, passou a exigir mais energia. Muitas unidades de produção foram paralisadas na Europa para atender às novas exigências ambientais.
Nos Estados Unidos, a produção de óleo e gás de xisto vem sendo desestimulada pela nova política empreendida pelo presidente Joe Biden. Aqui no Brasil, as autoridades se viram na contingência de canalizar mais gás natural para a operação das termoelétricas, para compensar, nesta crise hídrica, a redução da geração de energia pelas hidrelétricas. Enfim, por motivos vários, estamos diante de uma escassez global de energia, que pode ser temporária, mas que não tem data para acabar.
O governo Bolsonaro parece não ter desistido de adotar soluções populistas para estancar a alta dos combustíveis. Desta vez, não é apenas o presidente Jair Bolsonaro que pretende segurar ou reverter artificialmente os preços. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), advertiu que: “O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 por litro e gás de cozinha a R$ 120”. Mas ainda não explicou como pretende impedir o intolerável.
O impacto da alta dos combustíveis sobre o custo de vida é muito forte. Apenas neste ano, os preços da gasolina subiram 31,0%; os do óleo diesel, 28,0%; e os do gás de cozinha, 23,7%.
As pressões para conter os preços não vêm sendo feitas apenas sobre a Petrobras. O governo quer que os Estados abandonem a sistemática atual que prevê determinada porcentagem sobre os preços dos combustíveis e que passem a adotar um valor fixo, independentemente das variações de preços, que hoje são determinadas pelas cotações internacionais e pela variação do câmbio.
No gráfico, você tem a alíquota de Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços (ICMS) cobrada em cada Estado sobre os preços da gasolina comum ou aditivada. Atualmente, cada Estado tem competência para definir a alíquota, que hoje varia entre 25% e 34%.
A ideia de definir um imposto fixo por litro parece aproveitável. O problema aí é convencer os Estados (e sete municípios que têm participação nessa receita) a abrir mão de arrecadação, que é relevante. Em 2020, dos 522,57 bilhões arrecadados no País com o ICMS, cerca de 15,41% (80,51 bilhões) foram arrecadados com a tributação de combustíveis. No Estado do Tocantins, a arrecadação com combustíveis representou 31,7% da arrecadação total do imposto. O Piauí obteve 29,7%; o Amapá, 29,0%; e o Pará, 26,7%, segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Mas a motivação do presidente da Câmara parece tão populista quanto a do presidente Bolsonaro. Ambos querem ganhar as eleições com uma tampa nos preços dos combustíveis. E Arthur Lira quer colocar uma pedra no sapato do seu adversário político em Alagoas, o filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, Renan Filho (MDB).
A alta interna dos combustíveis não se deve apenas à escalada dos preços do petróleo. Deve-se, também, como já observado, ao avanço das cotações do dólar, que, por sua vez, tem a ver com o aumento das incertezas que provêm dos erros e omissões da política econômica. Não basta cobrar da Petrobras e dos governadores. É preciso colocar o governo na linha para que as cotações do dólar possam cair. E isso parece complicado.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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