quarta-feira, 8 de setembro de 2021

A ditadura militar e o mito do 'milagre' econômico, FSP

 por  Thales Zamberlan Pereira

Doutor em economia pela FEA (Universidade de São Paulo) e professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP).



Entre as diversas formas com as quais idealizamos o passado, poucas são tão contraproducentes para o debate público brasileiro quanto a falsa dicotomia entre democracia e crescimento econômico. Central nesse debate é o mito do crescimento econômico durante a ditadura militar.

Uma das definições de mito é a da ficção, uma meia verdade. Para o período militar, a meia verdade surge na narrativa que atribui ao regime o que não é do regime e desaparece com fatos que pertencem a ele.

Historicamente, parte da diferença de taxa de crescimento entre países pode ser explicada pelo aumento da urbanização e pela redução na quantidade de filhos por casal. Quem procurar quais foram os países que mais cresceram nos últimos anos vai encontrar países de baixa renda, onde a população está deixando o campo e formando famílias menores. Como urbanização e transição demográfica ocorrem apenas uma vez, comparar taxas de crescimento entre países muito diferentes ou comparar o mesmo país em períodos históricos distantes é exercício que requer cuidado do analista.

Para avaliar o crescimento econômico no governo militar, portanto, devemos comparar o Brasil com países que possuíam características semelhantes às nossas entre 1964 e 1984.

Usando técnicas estatísticas para criar esse grupo, o aumento na renda durante a ditadura não foi maior do que a média dos países com renda semelhante que estavam se urbanizando e passavam pela transição demográfica. Sim, é verdade que o crescimento durante o “milagre” (1967-73) foi alto, mas o regime militar durou mais que meia dúzia de anos.

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Políticas que buscavam crescimento a qualquer custo produziram um desastre após 1982, com estagnação econômica e dívida externa fora de controle. Além disso, políticas supostamente temporárias para controlar a inflação, como a correção monetária, multiplicaram-se em um ambiente não democrático e fizeram o Brasil ter a maior média de inflação entre os países atingidos pela crise da dívida da década de 1980.

A crise econômica foi uma das justificativas para 1964. A promessa era colocar a “casa em ordem” e devolver o poder aos civis nas eleições de 1966, que nunca ocorreram. O resultado foi que o governo militar se encerrou com uma taxa de inflação maior do que aquela que recebeu: 92% em 1963, 235% em 1984. Aliás, se a comparação fosse válida, o crescimento do período militar foi semelhante ao verificado no período democrático de 1945-63 (a renda dobrou nos dois períodos).

O crescimento na ditadura não ocorreu pela ausência da democracia. Esse é um mito que precisa ficar no passado.

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