O ideal do Maracanã, de acordo com Mario Filho, era abrigar o que ele chamava de "grandes massas" —pobres, ricos, brancos, pretos, mestiços, homens, mulheres e crianças—, que ao lado dos deuses do futebol comandariam o espetáculo nas tarde de domingo. E assim foi durante quase toda a segunda metade do século 20.
Sonho e façanha da Copa de 1950, o Maraca teve sua alma surrupiada no Mundial de 2014, em que pela primeira vez um país-sede não disputou nenhum jogo no seu principal estádio. Antes se dizia que o Brasil tinha construído o Maracanã para perder a Copa para os uruguaios; 64 anos depois organizamos o Mundial para destruir o maior estádio do mundo.
No livro "Maracanã: Quando a Cidade era Terreiro", recém-editado pela Mórula, o historiador Luiz Antonio Simas relembra os rituais que envolviam um dia de clássico. Havia o impacto de subir a rampa, entrar no túnel de acesso e vislumbrar o gramado verde e a torcida embandeirada como uma coisa só. O sabor proustiano do mate gelado, do cachorro-quente e da cerveja, que também era servida quente. Se o balãozinho com a bandeira do clube não lambesse e ultrapassasse a marquise de concreto, a boa sorte estava garantida.
O axé do velho Maraca começou a se dispersar a partir de dois momentos, segundo Simas. O primeiro, em 1992, na decisão do Brasileiro entre Botafogo e Flamengo: a grade de proteção da arquibancada cedeu no lado rubro-negro e dezenas de torcedores ficaram pendurados; três morreram ao cair em cima das cadeiras de ferro. O segundo aviso foi o fim da geral, em 2005. Tudo bem, ali era um lugar humilhante para se assistir aos jogos. Mas era barato. Expulso o geraldino, entrou o cliente, disposto a pagar caro para tirar uma selfie e perder o lance do gol.
Com o advento das gélidas arenas, restou às grandes massas subverter a ordem. Antes da pandemia, isso começava a ocorrer nos setores superiores Norte e Sul do novo Maracanã.
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