segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O drama urbano do oceano de autoconstruções da metrópole paulistana, Alvaro dos Santos , OESP

 Em um tempo em que as teses que defendem uma cidade sustentável, com a inserção de todos bairros desassistidos à cidade formal e assistida, são tão apregoadas, salta aos olhos, como contraditória e paradoxal, a falta de atenção das autoridades públicas e dos profissionais que se dedicam às questões urbanas ao enorme e incrivelmente dinâmico segmento urbano representado pela autoconstrução. Seguramente já mais de 1/3 da área urbanizada e em urbanização da Região Metropolitana de São Paulo é hoje tomado pelo oceano de autoconstruções que nas últimas décadas marcou o crescimento metropolitano por espraiamento geográfico a partir de suas zonas periféricas, e que hoje abriga grande parte de seus 22 milhões de habitantes. Ressalte-se aqui que a ambientalmente tenebrosa tendência de crescimento por espraiamento geográfico é decorrência direta de um permanente processo urbano de exclusão social-geográfica.

Imagem típica do oceano de autoconstruções

Fato é que não fosse a própria população de baixa renda ter assumido autonomamente a solução de seu problema de demanda habitacional, elegendo para tanto de forma totalmente independente e espontânea a tecnologia possível para ter sua casa, qual seja a autoconstrução no sistema bloco/laje, a crise habitacional em muitas grandes e médias cidades brasileiras estaria atualmente em um grau caótico de total insuportabilidade. Sem qualquer ajuda ou apoio técnico e financeiro do poder público, a própria família e amigos constroem, no ritmo permitido por seu tempo livre e por seu orçamento. A cada 500 metros existe uma casa de materiais de construção onde se possa ir adquirindo homeopaticamente os materiais necessários (são comuns nessas condições materiais de baixa qualidade, os “não conformes”, mas com desempenho suficiente consideradas as modestas edificações de destino).

No entanto, se colabora na solução do grande problema da casa própria, a autoconstrução, por todo seu empirismo tecnológico, pela crítica escassez de capital financeiro, pela total inexistência de aportes urbanísticos, como também pela ausência de instrumentos de regulação técnica do uso do solo, não gera condições mínimas de qualidade habitacional, tanto no que diz respeito à unidade habitacional propriamente dita, como no que se refere aos atributos urbanos dos bairros que vão sendo formados.

Podem assim ser resumidas as precariedades das edificações e dos bairros formados pela autoconstrução:

  • Ambiente construído: sem qualquer atributo de conforto;
  • Mobilidade: péssima para pedestres e veículos;
  • Rede de esgotos: inexistente ou precária;
  • Qualidade ambiental: péssima – praticamente não há verde, não há praças e parques ou qualquer área de lazer;
  • Recolhimento de lixo: precário por falta de acessos;
  • Equipamentos públicos de educação e saúde: pouquíssimos e distantes;
  • Iluminação pública: insuficiente;
  • Segurança: nenhuma – imperam as leis do tráfico, milícias e banditismo;
  • Infra-estrutura urbana (pavimentação, drenagem, varrição, manutenção): total precariedade;
  • Riscos geológicos, deslizamentos e enchentes – extremamente comuns em encostas de alta declividade e margens de córregos.

Considerados os fatores humanos e sociais envolvidos não há prioridade urbana maior do que humanizar as grandes áreas tomadas pelo oceano de autoconstruções, dotando-as dos elementos urbanísticos indispensáveis a um aumento substancial da qualidade habitacional das unidades construídas e dos bairros constituídos.

No aspecto preventivo, a realidade colocada pelo sucesso quantitativo da autoconstrução escancara a enorme vantagem da adoção de programas habitacionais baseados na conjunção das estratégias dos lotes urbanizados e da autoconstrução assistida técnica e financeiramente. Ou seja, programas em que o lote é colocado à disposição das famílias para a autoconstrução da habitação somente após toda a infra-estrutura urbana básica ter sido devidamente implantada. O que inclui os equipamentos públicos de uso coletivo como escolas, centros de apoio à saúde, praças, parques, áreas de lazer, etc.

*Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo. Ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Autor dos livros Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e PráticaA Grande Barreira da Serra do MarDiálogos GeológicosCubatãoEnchentes e Deslizamentos: Causas e SoluçõesManual Básico para elaboração e uso da Carta GeotécnicaCidades e Geologia. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente

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