Antigamente, observar o tamanho das multidões que cada grupo político conseguia mobilizar era a melhor forma de aferir sua popularidade. Mas, desde que as pesquisas de opinião pública se disseminaram, na segunda metade do século 20, o uso de manifestações para medir força não faz mais muito sentido. É a "relíquia bárbara" da política, se é lícito tomar emprestada a expressão que Keynes cunhou para designar a insistência extemporânea no padrão-ouro.
Independentemente do número de pessoas que vá à avenida Paulista, sabemos que mais da metade da população rejeita o governo Bolsonaro. Sabemos também que, se a eleição fosse hoje, o presidente disputaria um segundo turno contra Lula, no qual o petista o derrotaria por larga margem. Sabemos ainda que os candidatos a candidato da terceira via patinham em índices baixos de popularidade. É com base nesse retrato, que cobre todo o espaço amostral, não em fotos parciais, que todos deveriam se posicionar.
Não estou, obviamente, pedindo que agentes políticos parem de raciocinar e agir politicamente. Peço apenas que façam todas as contas. Se, para Lula é preferível enfrentar um Bolsonaro enfraquecido a um candidato de baixa rejeição, esse cenário só poderá materializar-se se o capitão reformado de fato se mantiver exangue e se não melar a eleição, como já indicou que fará. De modo análogo, para o centrão é confortável seguir extraindo cargos e verbas de um governo na lona, mas isso só vale se estiverem seguros de que Bolsonaro não fará nada fora do script. Estão?
É compreensível que Bolsonaro e seus apoiadores rendam homenagens à relíquia bárbara e se reúnam em praça pública munidos de tacapes. É só o que têm. Mas grupos políticos menos bárbaros deveriam parar de, adolescentemente, comparar o tamanho de suas manifestações e se concentrar na preservação das instituições, o que, a meu ver, passa pelo impeachment de Bolsonaro.
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