Estudo descobre que nações de baixa renda devem a Pequim mais do que se imaginava
30 de setembro de 2021 | 20h00
PEQUIM - A nova rota da seda, o plano chinês de infraestrutura, elevou a dívida de países pobres com a China para US$ 385 bilhões – valor que inclui uma “dívida oculta”, ausente nos balanços dos países, de acordo com dados do FMI e do Banco Mundial. A descoberta é resultado de um estudo de quatro anos da AidData, que encontrou 42 países de renda baixa a média com dívidas superiores a 10% do PIB.
A Belt and Road Iniatiative (BRI), carro-chefe do presidente Xi Jinping, prevê projetos em rodovias, portos e gasodutos – uma forma de ampliar a influência chinesa no mundo. Segundo o estudo, há empréstimos feitos a 165 países, parte deles considerados de alto risco, que estariam permitindo uma “diplomacia das dívidas”, forçando os governos devedores a ceder propriedade ou controle dos principais ativos a Pequim.
O Laos teve proporções significativas de sua dívida classificada pela AidData como “oculta”. O projeto ferroviário China-Laos, de US $ 5,9 bilhões, é financiado inteiramente com uma dívida não oficial equivalente a cerca de um terço do PIB do país. Parte da dívida teve de ser transformada em cessão de controle de estatais. Peter Cai, pesquisador do Lowy Institute, com sede na Austrália, disse que o pagamento seria difícil. “Sempre há um problema para executar a dívida”, disse.
O relatório também conclui que a China aumentou a oferta de empréstimos para países ricos com altos níveis de corrupção – 35% dos projetos enfrentam problemas de violações trabalhistas, poluição ambiental e protestos. “A China está mais disposta a financiar projetos em países de risco, mas é mais agressiva na hora do reembolso”, diz o relatório.
Em uma descoberta separada, a AidData mostrou que Pequim estava emprestando desproporcionalmente a países que tiveram um desempenho ruim em medidas convencionais de solvência, em contraste com outros credores internacionais, mas exigiam taxas de juros muito mais altas com períodos de reembolso mais curtos.
Cai observou o caso do Paquistão, que o Asia Nikkei relatou ter empréstimos chineses com taxas de juros médias de 3,76%, em comparação com uma taxa de empréstimo vinculada à OCDE típica de 1,1%. “Muitos bancos nem mesmo emprestavam para o Paquistão. Se você puder garantir um empréstimo, terá de pagar o prêmio de risco mais alto”, disse.
O estudo mostra que os encargos da dívida foram mantidos fora dos balanços públicos por meio de empréstimos semiprivados e de “propósito especial”, e eram “maiores do que os fornecidos por instituições de pesquisa, agências de classificação de crédito ou instituições intergovernamentais, todas organizações com responsabilidade de vigilância maior”.
A China já investiu mais de US$ 843 bilhões na infraestrutura de países em desenvolvimento desde o lançamento do programa em 2013. Quase 70% desse dinheiro foi emprestado para bancos estatais ou repassado por meio de joint ventures por empresas chinesas com parceiros locais, disse o CEO da AidData, Brad Parks, à Agência France-Presse. “Muitos governos pobres não podiam mais se endividar, e então a China foi criativa.”
Segundo Parks, os empréstimos foram feitos para vários atores além de governos, mas, muitas vezes, apoiados pelo Estado para garantir o pagamento e evitar calote. “Os contratos eram pouco transparentes, e os próprios governos não sabem o valor de suas dívidas com a China”, afirmou.
Ligado à William and Mary University, da Virgínia, o AidData listou 45 países de média e baixa renda que têm níveis de dívida com a China de mais de 10% do PIB. De acordo com Parks, muitos dos que aderiram ao programa chinês agora se arrependem. “Muitos governantes que antes estavam ansiosos para entrar na iniciativa estão agora suspendendo ou cancelando projetos por preocupações com a sustentabilidade de suas dívidas”, disse.
A BRI foi lançada em 2013 como o programa de investimento de Xi. Centenas de países pobres concordaram com empréstimos chineses, e agora estão enfrentando a concorrência da iniciativa do G-7, “Reconstruir um Mundo Melhor”, lançada este ano para conter a China, que oferece taxas de juros mais altas e períodos de reembolso mais curtos.
A AidData examinou mais de 13 mil projetos e concluiu que os empréstimos da China no exterior haviam mudado de empréstimos de governo para governo, durante a era pré-BRI, para quase 70% agora indo para empresas estatais e bancos, joint ventures, instituições privadas e veículos de propósito específico.
O resultado foi uma extensa subnotificação das obrigações de reembolso – cerca de US$ 385 bilhões –, porque os mutuários principais não são mais instituições do Estado. Diante da controvérsia e da resistência de alguns governos que procuraram descartar ou renegociar os projetos, os empréstimos chineses diminuíram nos últimos anos, mas as dívidas anteriores permanecem. Em 2019, Xi se comprometeu a aumentar a transparência e a estabilidade financeira do programa e a ter uma “tolerância zero para a corrupção”.
Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da China afirmou que “nem todas as dívidas são insustentáveis”, acrescentando que, desde seu lançamento, a BRI “defendeu os princípios de consulta compartilhada, contribuições compartilhadas e benefícios compartilhados”. / AFP, AP e REUTERS
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