20 de setembro de 2021 | 03h00
Você já entrou em um daqueles elevadores em que se digita o andar desejado antes de embarcar? Eles são cada vez mais comuns, pois poupam tempo e energia ao otimizar o trânsito de passageiros subindo e descendo, mas admito que a primeira vez em que entrei em um deles fiquei um pouco desconfortável.
A experiência me pareceu algo aflitiva, ao inverter a ordem das ações com que estou tão acostumado: normalmente se chama o elevador e depois se escolhe o andar, apertando já do lado de dentro o botão respectivo. Ao digitar o destino de antemão, fica-se com a sensação de que está faltando alguma coisa depois de entrar. E agora, o que faço? Entrego meu destino nas mãos dos microprocessadores e aguardo? Bem, sim. Mas nada muito diferente do que sempre foi.
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O que muda é a sensação de controle, que fica menor. Falsa sensação, obviamente, pois nem nos velhos elevadores com ascensoristas tínhamos possibilidade de controlar nada – não havia a menor chance de alguém chegar perto dos antigos botões e manivelas.
Simplesmente dizíamos em voz alta o andar desejado e confiávamos nos processadores cerebrais de quem fora treinado para pilotar aquele meio de transporte. Com a automação esses profissionais tornaram-se dispensáveis, o que trouxe uma sensação de controle – eu aperto o 10 e vejo o elevador parar no décimo andar. O fato de ser uma ilusão reside no fato de que, a rigor, quem determina a parada não somos nós, mas a programação da máquina. Um técnico engraçadinho poderia muito bem tornar esses comandos aleatórios, impedindo-nos de saber onde iríamos parar.
A ilusão de controle é um viés cognitivo muito bem estabelecido, que nos leva a superestimar nossa capacidade de influenciar resultados que na verdade dependem pouco de nossas ações. Ela se manifesta de diversas maneiras, desde os apostadores que lançam os dados com mais força quando desejam que os números sejam altos até os motoristas que estimam que a probabilidade de um acidente rodoviário acontecer seja diferente se eles estão ao volante ou se são passageiros. Evidentemente que as chances de um acidente ocorrer seguem as leis da estatística, mas ao nos imaginarmos no controle da situação, cremos ser capazes de superar as estatísticas.
Essa sensação de controle não é de todo ruim, no entanto. Primeiramente porque não é sempre uma ilusão. Há coisas cujos resultados podemos obviamente influenciar, e sabemos por experiência que colocar mais ou menos esforço, empenho, muda o desfecho daquela situação. Não temos controle sobre a matéria que cairá na prova, mas quanto mais tempo estudarmos, maiores as chances de termos visto o conteúdo cobrado. Não conseguimos influenciar o preço do combustível ou da energia elétrica, mas quanto mais formos capazes de gerenciar seu uso, menos dinheiro gastaremos.
Mas ela tem seu valor também porque mesmo quando é ilusória – ou seja, nas situações em que nosso controle é menor do que imaginamos – pode ser uma fonte de motivação, nos ajudando a persistir quando uma avaliação estritamente realista nos levaria a desistir. Interessante que pacientes com depressão apresentem menos ilusão de controle, mas sua avaliação realista demais das coisas pode se tornar limitante.
Desafio agora os leitores a adivinharem qual foi a notícia que me provocou todas essas reflexões. Por mais improvável que pareça, foi o lançamento da missão Inspiration4, da empresa de exploração espacial SpaceX, iniciativa do bilionário Elon Musk. O foguete não tem piloto, é totalmente controlado da Terra. Agora imagine entrar numa cabine e ser levado para o espaço, colocado em órbita e ser trazido de volta três dias depois sem nenhuma possibilidade de interferir com o funcionamento da nave. Parece-me aflitivo.
Entusiasta da tecnologia que sou, acompanho com ansiedade essa corrida pelo desenvolvimento do turismo espacial e confesso que sonho um dia desfrutar de uma viagem dessas quando elas se tornarem uma alternativa às férias na Disney. Talvez não esteja vivo quando isso acontecer, mas por via das dúvidas vou aproveitando os elevadores sem botão para domesticar minha renitente ilusão de controle.
É PSIQUIATRA DO INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS, AUTOR DE ‘O LADO BOM DO LADO RUIM’
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