SÃO PAULO
De todos os resíduos urbanos que poderiam ser reciclados no Brasil, só 4% cumprem esse destino. É essa realidade que startups focadas em soluções socioambientais querem mudar, ligando consumidores, cooperativas, recicladoras e indústrias para gerar lucro e renda.
“Funcionamos como um hub, colocando a indústria em contato direto com as cooperativas e garantindo um valor mais alto pela venda dos materiais descartados”, afirma Saulo Ricci, 38, criador da Coletando Soluções, sediada em Barueri (região metropolitana de São Paulo).
Empresas que atuam no setor também viabilizam a aquisição de notas fiscais sobre a reciclagem de determinados volumes de resíduos, de modo a assegurar a confiabilidade da logística reversa.
No caso da Coletando, a rastreabilidade das embalagens permite identificar onde os produtos foram comercializados e consumidos, informações que são vendidas a marcas interessadas.Segundo Saulo, o empreendimento evitou que 800 toneladas de embalagens acabassem em lixões e aterros nos últimos três anos. Esse material gerou mais de R$ 380 mil em renda para cooperativas e catadores. O faturamento saltou de R$ 150 mil em 2018 para R$ 2 milhões nos primeiros seis meses de 2021.
Em 2020, a startup iniciou um programa de licenciamento de marca, ao qual já aderiram 13 cooperativas e outras 195 são candidatas. Elas recebem treinamento e um caminhão ou triciclo.
A fórmula da Coletando contempla outros elos da cadeia de reciclagem. Donos de pequenos comércios trocam seus recicláveis por valores creditados em um cartão de crédito pré-pago fornecido pela startup.
Quem participa do programa de vantagens de outra empresa, a so+ma —presente em Salvador, São Paulo e Curitiba—, entrega resíduos e ganha pontos. Os créditos podem ser trocados por alimentos, itens de higiene, cursos e descontos em produtos e serviços. Os relatórios mostram que, de 2015 até agosto de 2021, mais de 11 mil famílias resgataram quase 37 mil recompensas.
Claudia Pires, 49, fundadora da empresa, aposta na mudança de comportamento dos consumidores para elevar o índice nacional de reciclagem, que patina em 3,8%, de acordo com o ISLU 2020 (Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana). Para comparar, a União Europeia reciclou 48% dos resíduos sólidos urbanos em 2016.
Claudia diz que o apoio da Heineken foi decisivo para a so+ma desenvolver a cadeia de reciclagem do vidro na capital baiana. “Por um lado, oferecemos a uma indústria vidreira de Sergipe as embalagens recolhidas pelos cooperados de Salvador e, por outro, garantimos que a fabricante de cerveja compre a produção de garrafas da fábrica sergipana.” Assim um material antes desprezado ganhou rentabilidade.
“Às vezes o que é reciclável não é lucrativo, por isso recomendo estudar bem a Política Nacional de Resíduos Sólidos e entender quais sãos os materiais que podem ser trabalhados”, diz Eder Max, consultor do Sebrae e especialista em marketing digital, inovação e planejamento.
Por incluírem componentes de ouro, prata e platina, computadores, TVs e celulares apresentam maior valor agregado. Contudo, como adverte Max, também contêm elementos tóxicos e exigem licença especial para armazenamento e reciclagem.
De acordo com o consultor, mesmo quem apenas oferece um ambiente virtual para compradores e vendedores deve estar atento à legislação. “Se pneus, eletrônicos ou outros materiais se extraviam e vão parar na natureza, o dono do marketplace está sujeito à responsabilidade solidária”, afirma.
O potencial de expansão é grande. Renato Paquet, 29, fez a startup Polen chegar a 24 estados, onde trabalha com quase 200 cooperativas.
“Agora elas contam com duas fontes de receita: uma pela venda dos resíduos e outra pelo serviço ambiental de triagem do lixo, que possibilita às empresas realizar ou comprar os créditos de logística reversa”, diz o empresário.
Por meio da tecnologia blockchain, o processo é rastreável. Estão acessíveis dados como a quantidade de cada tipo de material reciclável, num total que já supera 50 mil toneladas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário