Nas manifestações do 7 de Setembro, o pastor da Assembleia de Deus Geraldo Malta, de 63 anos, vestiu a camiseta da Seleção Brasileira e se uniu a outras 125 mil pessoas (segundo a Polícia Militar) que foram defender o presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista. A massa vestida de verde e amarelo ocupou 12 quarteirões, pelos quais se dividiram caminhões de som alugados por empresários do agronegócio, monarquistas, intervencionistas, armamentistas, “ativistas reformistas” evangélicos.
Os organizadores do ato vibraram quando Bolsonaro fez uma ameaça direta ao presidente do Supremo, ministro Luiz Fux. “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu (ministro) ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse, referindo-se às recentes decisões de Alexandre de Moraes contra bolsonaristas.
A fala, porém, não entusiasmou a todos os presentes. “Sou bolsonarista, mas acho que, às vezes, ele fala besteira no calor do momento. Sou contra a intervenção militar”, disse Geraldo Malta. O pastor começou a atuar na política em 1975, no PCdoB, e depois foi um dos fundadores do PSDB, partido no qual permaneceu até março de 2019. Hoje está no Podemos. “Me considero um conservador de centro, com uma queda para a direita”, afirmou o religioso. Malta prega que o Estado brasileiro seja cristão, defende o porte de armas “para quem quiser” e diz que a Bíblia tem a receita do que é certo e errado. Segundo especialistas, esses elementos, somados a aversão à esquerda, formam a linha central que une a narrativa bolsonarista.
“Das 125 mil pessoas que, segundo a PM, estavam na Paulista, no mínimo metade não se encaixa no perfil mais radical do bolsonarismo. O grupo que é mais diretamente defensor do presidente tem uma característica ultraconservadora, autoritária e machista”, disse o cientista político José Álvaro Moisés, coordenador do grupo de pesquisas sobre a qualidade da democracia do Instituto de Ensinos Avançados (IEA) da USP.
Essa avaliação é respaldada por uma pesquisa inédita do Instituto Locomotiva feita por telefone com 2.600 pessoas de 71 cidades do País. Os dados, obtidos com exclusividade pelo Estadão, apontam que 4% do eleitorado brasileiro – o que equivale a 6,5 milhões de pessoas – defendem ideias classificadas como ultraconservadoras.
Para chegar a essa conclusão, o levantamento selecionou um núcleo de entrevistados que respondeu afirmativamente a três questões: 1) o Estado brasileiro não deve ser laico, mas cristão; 2) mais pessoas devem ter acesso ao porte de armas; 3) as mulheres são melhores para fazer atividades domésticas. Dentro do universo total de entrevistados, 24% concordaram com a primeira afirmação estimulada, 28% com a segunda, 17% com a terceira e 4% com as três. Esse último grupo, então, respondeu a outro questionário com temas como cotas raciais, casamento gay e urnas eletrônicas.
“Esse grupo representa o centro do negacionismo conservador. Existem 6,5 milhões de brasileiros que defendem as principais posições dos Taleban no Afeganistão: o Estado não deve ser laico, as mulheres não devem ter protagonismo e o uso de armas deve ser difundido. Esse perfil certamente esteve nas ruas no dia 7 de Setembro”, disse ao Estadão o pesquisador Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Datapopular.
Ainda dentro do recorte dos ultraconservadores, 63% dos entrevistados opinaram que cotas para negros prejudicam a sociedade, 70% disseram que pessoas do mesmo sexo não podem se casar e 54% pregaram que a polícia tem de ser violenta para combater o crime. A polêmica do voto impresso também entrou no questionário: 63% desconfiam das urnas eletrônicas. “Existe um componente messiânico nessa parcela do eleitorado”, afirmou Meirelles.
Em outro ponto, 43% dos ultraconservadores disseram que a “revolução” de 1964 foi “boa”, e 70%, que a Bíblia tem a receita completa do que é certo e errado. No universo ultraconservador, 60% são homens.
O cientista político Vitor Marchetti, professor da Universidade Federal do Grande ABC, acha o paralelo com o Taleban exagerado, mas pondera que a pesquisa mede o pensamento radical.
Questionado sobre o peso desse núcleo na cena política atual, e consequentemente nos atos do 7 de Setembro, Marchetti destaca que Bolsonaro reverbera essas posições, mas elas sempre estiveram presentes, mesmo nos tempos que o governo era de esquerda: “Os conservadores precisaram se estruturar politicamente nos últimos anos para defender suas posições porque as pautas progressistas foram ganhando mais adeptos”.
Vice-presidente do PTB de São Paulo, o administrador de empresas Flávio Beal, que também foi tucano, mas acabou foi expulso do PSDB em 2018, estava entre os organizadores da manifestação na Avenida Paulista. O ativista se disse “decepcionado” com o recuo de Bolsonaro, que chegou a elogiar Moraes.
“Parte da base é descrente e vê o discurso como verborragia e sem efeito prático”, afirmou Beal. Segundo ele, o núcleo ultraconservador não é grande: “Dentro do universo bolsonarista, eles representam 5%. Não tinha na Paulista um caminhão de som machista dizendo que lugar de mulher é na cozinha. Defendemos os valores patrióticos: Deus, pátria, família e liberdade”.
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