O programa de deslocamento do consumo de energia nos horários de pico pode começar em julho e incluir consumidores residenciais, além da indústria. Nesta segunda-feira (14), o MME (Ministério de Minas e Energia) se reuniu com grandes consumidores para discutir as bases do plano.
A ideia é oferecer algum incentivo na conta de luz, como descontos na tarifa ou créditos futuros. “O modelo ainda está em discussão e exigirá arranjos técnicos e jurídicos para ser implementado”, disse à Folha o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
A proposta é parte do pacote de medidas para enfrentar a pior seca da história sobre os reservatórios de hidrelétricas na região Sudeste, que já incluiu a contratação adicional de térmicas e revisões nas restrições de vazões de usinas hidrelétricas.
Na reunião nesta segunda, associações que representam os grandes consumidores de eletricidade apresentaram ao governo propostas de estímulo da redução do consumo ou deslocamento para horários de menor demanda.
Uma das sugestões é que as próprias empresas apresentem ao governo um cronograma prévio com o montante de energia a ser poupado durante determinado período. Dessa forma, elas podem planejar melhor sua produção para evitar queda de atividade.
Em outra frente, grandes consumidores podem se voluntariar a ter o consumo reduzido por determinação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) nos momentos em que a demanda estiver elevada.
Nos dois casos, a economia não seria obrigatória. A ideia é recompensar as empresas que aderirem ao programa. O valor dos descontos ou créditos ainda não definido, mas a indústria defende que o cálculo tenha como parâmetro seja o custo das térmicas que seriam acionadas para atender a essa demanda.
A conta seria compartilhada por todos os consumidores. Os grandes consumidores defendem que haveria economia, já que o preço pago teria um desconto em relação ao custo das térmicas.
Atualmente, existem barreiras para que esses pagamentos sejam feitos automaticamente. De acordo com o ministro, para isso, será preciso editar novas normas para permitir que “a sistemática de compensação seja rápida.”
O deslocamento da demanda de energia é uma medida defendida por especialistas no setor elétrico, que temem apagões nos horários de maior consumo durante o segundo semestre, quando os reservatórios estarão ainda mais baixos.
“A preocupação é chegar em novembro com quedas [d’água] muito pequenas e pouca água nos reservatórios, o que torna muito provável que comecemos a ter apagões”, disse em entrevista à Folha Jerson Kelman, que liderou o grupo que investigou o racionamento de 2001.
No inverno, o horário de pico ocorre no início da noite, quando as pessoas terminam de trabalhar e o uso de chuveiro elétrico é maior. No verão, há um pico também no início da tarde, pelo elevado uso de ar condicionado.
Por enquanto, o governo tem conversado apenas com os maiores consumidores industriais. Representantes de outros segmentos disseram à Folha não terem sido ainda convocados para tratar do tema.
No setor têxtil, a principal preocupação no momento é a elevação do preço da energia, disse o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Fernando Pimentel. "Do ponto de vista prático estamos tendo impacto de custo, o que já está gerando novas iniciativas de eficiência energética."
Pimentel diz, porém, que há pouca margem para o deslocamento do consumo nessa indústria, já que os segmentos que têm maior uso de energia já costumam trabalhar em três turnos.
Entre os fabricantes de vidro, há grande preocupação com a parada para manutenção no sistema de Mexilhão, da Petrobras, um dos principais produtores de gás natural do país. Com a elevada demanda das térmicas pelo combustível, os empresários temem impactos no fornecimento.
"Falta clareza ainda", diz o superintendente da Abividro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro), Lucien Belmonte. "As conversas estão apenas começando. E esse é o momento em que todo mundo fica mais inseguro."
O governo cogita também intensificar campanhas de uso consciente da energia na internet, no rádio e na TV para consumidores residenciais, em mais um esforço para tentar evitar o racionamento.
Além disso, já autorizou o acionamento de toda a capacidade térmica disponível no sistema e a busca por usinas que não têm contrato, para que também contribuam com o aumento da capacidade de geração durante o inverno mais seco.
A vazão de água que chega aos reservatórios das usinas é a pior entre os meses de setembro a maio desde 1931, segundo dados do SIN (Sistema Interligado Nacional). Não há previsão de chuvas no segundo semestre.
Em maio, o SNM (Sistema Nacional de Meteorologia) decretou estado de emergência hídrica para a região hidrográfica da Bacia do Paraná, que abastece primordialmente as usinas do Sudeste.
Diante desse quadro, o Ministério de Minas e Energia criou um grupo interministerial de trabalho que vem discutindo medidas para garantir o fornecimento de energia.
Uma das primeiras foi o acionamento das usinas termelétricas, que vêm produzindo a R$ 1.500 o MWh (megawatt-hora). O consumidor já vem pagando essa conta por causa da falta de água nos reservatórios das hidrelétricas, mais baratas.
O problema é que a entrega da energia por esse parque gerador está abaixo do necessário. A EPE (Empresa de Pesquisa Energética) constatou que, desde 2015, a taxa de indisponibilidade dessas usinas vem subindo. Isso ocorre, por exemplo, em razão de longos períodos de manutenção.
Em 2020, quando o Brasil teve a pior seca da história, térmicas a diesel, por exemplo, ficaram indisponíveis, em média, 53% do tempo. No caso das térmicas a óleo combustível, a indisponibilidade foi de 26% do período pago. Nas usinas a gás e carvão, 19%.
Cálculos do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) indicam que a conta chega a R$ 8,7 bilhões por ano, considerando os projetos que já poderiam ter o contrato rompido por passarem mais tempo do que o permitido sem gerar energia.
Por isso, com o acirramento da seca, a ideia que ganhou prioridade é o deslocamento do consumo em horários de pico —forma de evitar que todos os consumidores elevem seu consumo ao mesmo tempo.
A situação é diferente de 2001, quando o país não tinha um parque térmico e o sistema de transmissão não era tão interligado. Sem água nos reservatórios, a única opção ao apagão foi decretar um plano compulsório de economia de energia.
Os brasileiros foram obrigados a reduzir o consumo em 20% sob pena de multas e até corte no fornecimento em caso de reincidência. O racionamento foi um dos fatores que contribuíram para a derrota do PSDB, partido do então presidente, e a vitória de Lula nas eleições de 2002.
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