“Pelo menos não tem corrupção.” É com esse brocardo que bolsonaristas convictos tentavam racionalizar seu apoio ao governo, depois que o presidente traiu, uma a uma, suas principais bandeiras eleitorais: apoio à Lava Jato (foi ele, e não Temer, quem enterrou a operação), rejeição ao sistema (ele deitou no colo do centrão) e agenda econômica liberal (nem a abertura comercial, que depende basicamente da caneta do ministro, avançou).
É claro que a frase sobre a corrupção tampouco era exata. O núcleo familiar do presidente está envolvido até a medula em esquemas de rachadinhas. A própria primeira-dama recebeu cheques nunca bem explicados do notório Fabrício Queiroz. Família não é governo, dirá o bolsonarista contumaz.
Talvez, mas Bolsonaro também manteve por mais de um ano Marcelo Álvaro Antônio no posto de ministro do Turismo, apesar de seu envolvimento num esquema de desvio de verbas eleitorais. Há ainda o caso do finalmente exonerado Ricardo Salles, que resistiu por semanas no Ministério do Meio Ambiente mesmo sendo investigado por tráfico, de madeira. Ora, não há governo que não tenha tido um par de ministros sobre os quais recaíram suspeitas, insistirá o fiel sequaz do capitão reformado.
O escândalo da Covaxin complica as racionalizações. Não são mais familiares nem auxiliares que aparecem no turbilhão das suspeitas, mas o próprio presidente. Não estamos mais falando dos “trocados” das rachadinhas, mas de um esquema bilionário, que rivalizaria com os desvios do PT.
Não acredito, porém, que haverá uma debandada nas hostes bolsonaristas. Uma das características mais fascinantes do cérebro humano é sua capacidade para o autoengano. Já posso escutar o bolsonarista obstinado afirmando que prevaricação não é corrupção. Preciosismos jurídicos à parte, num país mais decente, o capitão já teria sido deposto e estaria sendo julgado, com chance de parar na cadeia.
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