Que o mundo vive uma recessão democrática não há muita dúvida. Nas contas da ONG Freedom House, desde 2006, mais países experimentam deterioração do que avanços em seus sistemas democráticos. E a pandemia não ajudou. Em 2020, 73 países perderam pontos contra apenas 28 que ganharam —um saldo de -45, o pior já registrado pela organização.
Essa erosão veio para ficar ou é algo transitório? Às vezes, olhar muito de perto para o indicador mais confunde que ilumina. Uma boa analogia são as bolsas de valores. Um gráfico com a variação diária dos índices é um sobe-e-desce estonteante. Já um que mostre sua evolução ano a ano ou a cada década talvez reflita melhor a valorização das empresas.
Com a democracia não é diferente. Se usarmos a lente das décadas e séculos em vez da dos anos, a expansão das democracias salta aos olhos. Nas contas de Steven Pinker, em 1971, apenas 31 países poderiam ser considerados democráticos; hoje, eles são mais de uma centena. Dois séculos atrás, apenas 1% da população mundial vivia sob democracias; hoje são 75%.
É evidente, porém, que sucesso passado não é garantia de sucesso futuro. O fato de a democracia ter avançado nos últimos séculos não significa que não precisemos nos esforçar para mantê-la.
Apesar de a maré ser vazante, há indícios de que ela pode estar virando. Os sinais são mais qualitativos do que quantitativos, mas nem por isso devem ser desprezados. O mais vistoso deles foi a derrota de Donald Trump. Há outros garotos-propaganda do neoautoritarismo sob risco.
Em Israel, Binyamin Netanyahu parece estar com os dias contados. Conseguiu formar contra si a mais improvável das coalizões, que reúne de setores da extrema direita à esquerda, passando pelos árabes. Na Hungria, vai se formando uma frente ampla com o objetivo de derrotar e destronar Viktor Orbán. Se a moda pega, talvez também nos livremos de Bolsonaro.
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