Numa crônica, Rubem Braga relata a impaciência de um amigo com a leitura do jornal: “Chega! Houve um desastre de trem na França, um acidente de mina na Inglaterra, um surto de peste na Índia. Você acredita nisso que os jornais dizem? Será que o mundo é assim, uma bola confusa, onde acontecem unicamente desastres e desgraças?”.
Ele não deixa o cronista responder. Continua sua peroração: “Veja aqui: em um subúrbio, um sapateiro matou a mulher que o traía. Eu não afirmo que isso seja mentira. Mas acontece que o jornal escolhe os fatos que noticia. Você sabia que durante os três primeiros anos o casal viveu imensamente feliz?”.
Atendendo ao amigo do Braga, a TV Brasil, canal público ligado ao Ministério das Comunicações, planeja exibir um telejornal só com boas notícias. Meio milhão de mortos, negação às vacinas, desmatamento da Amazônia, aumento dos preços de alimentos e combustíveis, fuga de cérebros, desemprego, pobreza, fome —nada disso entrará na pauta do “Bom de Ver”, nome escolhido para o programa. Apenas temas leves sobre esporte, comportamento, entretenimento.
Coitado do repórter encarregado de achar boas notícias. Espero que, para realizar tarefa tão difícil, o salário dele fique na faixa dos R$ 120 mil que o governo repassou ao apresentador Sikêra Jr., da Rede TV. Comparsa da família Bolsonaro, ele recebeu a grana para fazer propaganda do kit cloroquina e de outros medicamentos ineficazes contra o coronavírus. “Eu vendo caixão, terreno, carro, sorvete, remédio, qualquer coisa”, justificou-se.
O “Bom de Ver” terá de escolher entre fazer propaganda ou jornalismo. Deixo uma sugestão de graça: encontrar uma família de classe média que concorde em dividir os restos do seu prato com uma família de mendigos. O ministro Paulo Guedes poderá ser o anfitrião do feliz encontro televisionado ao vivo para todos os lares do Brasil.
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