Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
21 de junho de 2021 | 03h00
Incapaz de promover crescimento seguro, geração de empregos e bom uso do dinheiro público, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta associar o drama dos mais pobres ao desperdício de comida pela classe média. “Precisamos dar incentivos para que o que é jogado fora possa ser endereçado aos mais necessitados”, disse o ministro num evento da Associação Brasileira de Supermercados. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, presente na ocasião, poderia ter informado seu companheiro de governo sobre a produção e a disponibilidade de alimentos no Brasil, mas preferiu acompanhá-lo em seus comentários sobre a perda de alimentos e a necessidade de rever prazos de validade.
Há desperdícios, de fato, mas só por imensa ignorância ou escandalosa má-fé se pode lançar sobre a classe média a responsabilidade pela fome. Até 2014 a desnutrição era um problema limitado a uma parcela muito pequena da população. As condições pioraram a partir da recessão de 2015-2016, mas a fome só chegou a proporções desastrosas durante o desgoverno do presidente Jair Bolsonaro. Não se passa fome por escassez de comida, mas por falta de dinheiro para comprá-la.
Antes de falar sobre os hábitos da classe média, o ministro da Economia deveria dar atenção ao mercado de trabalho, com 14,8 milhões de desempregados no primeiro trimestre e mais de 30 milhões de subutilizados – contingente formado pelos desocupados, desalentados e outros milhões de trabalhadores potenciais. O quadro seria pior se milhões de indivíduos, em vez de tentar uma precária sobrevivência trabalhando por conta própria, continuassem buscando uma vaga.
O fracasso da impropriamente chamada política econômica ficou visível já em 2019, início da infeliz era bolsonariana. Naquele ano a economia cresceu menos que em 2018 e o desemprego permaneceu elevado. O único resultado positivo foi a aprovação da reforma da Previdência, um assunto já encaminhado na gestão do presidente Michel Temer. No primeiro trimestre de 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) foi menor que nos três meses finais do ano anterior, embora o impacto da pandemia só se tenha manifestado na segunda quinzena de março.
As ações a favor da sustentação da economia e da renda dos trabalhadores, em 2020, deram algum resultado, e nessa fase o Brasil quase se alinhou aos mais de cem países governados por líderes mais sérios e responsáveis. Todos tentaram, nos limites de suas possibilidades e recorrendo, em muitos casos, a ajuda externa, atenuar os efeitos da crise sanitária. Mas o Brasil novamente se distinguiu, a partir do segundo semestre daquele ano, com a elaboração de um projeto orçamentário irrealista e a redução do auxílio emergencial. A suspensão do auxílio no começo de 2021 jogou milhões de famílias no desespero, tornando-as dependentes de campanhas de solidariedade.
Gente de todas as camadas, incluída a classe média atacada pelo ministro Guedes, participou do socorro às famílias sem dinheiro e sem comida, enquanto a equipe econômica tropeçava nos próprios pés e o Executivo negociava fatias do Orçamento com o Centrão. Um dos produtos dessas negociações foi a criação de um Orçamento paralelo, concebido para favorecer parlamentares dispostos a colaborar com o presidente e sua turma. A equipe econômica, muito bem comportada, foi incapaz de resistir ao dilaceramento das verbas enquanto faltava emprego e a grande massa continuava desassistida.
Além de se mostrar incapaz de promover a criação de empregos e de ajudar os pobres na fase mais crítica deste ano, o desgoverno federal contribuiu para o aumento da inflação, desde o ano passado, assustando os investidores financeiros e motivando enorme valorização do dólar. A instabilidade cambial, atenuada só recentemente, alimentou a inflação. Nos 12 meses terminados em maio os preços ao consumidor aumentaram mais de 8%. Os piores efeitos, obviamente, foram sentidos pelos mais pobres, finalmente lembrados, na quinta-feira, pelo ministro da Economia. Mas a culpa da fome, segundo ele, é da classe médiac
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