O perigo potencial que militares representam para a política não é tema novo. Mesmo uma sociedade particularmente militarista como a dos antigos romanos dispunha de regras rígidas para impedir que a força das armas se impusesse na gestão do Estado.
Uma dessas normas vetava a governadores provinciais, que também atuavam como generais, adentrar com tropas na Itália, território que era controlado diretamente por Roma. Tanto generais como soldados que desobedecessem a essa lei estavam automaticamente condenados à morte.
Em janeiro de 49 a.C., Júlio César, que encerrava seu termo como governador da Gália Cisalpina, decidiu atravessar o rio Rubicão, que marcava a fronteira entre a província e a Itália, com a 13ª Legião. Na ocasião, um hesitante César, ciente da gravidade de seu ato, teria proferido a célebre frase “Alea jacta est” (a sorte foi lançada).
Havia sabedoria na norma. A travessia do Rubicão deu lugar a uma violenta guerra civil, uma ditadura e ao fim da República Romana.
Os americanos levaram algo parecido para seu arcabouço normativo. A Lei Posse Comitatus, de 1878, impede o governo federal de usar o Exército dos EUA para fazer cumprir leis dentro do território americano. Federação autêntica, intervenções ali só são possíveis com a concordância do governador e normalmente com tropas da Guarda Nacional e não do Exército.
No Brasil, cuja República teve início com um golpe castrense e onde os generais cometeram uma série de intervenções, não chegamos a desenvolver uma legislação efetiva para afastar os militares da política. É hora de mudar isso.
Urge, assim, que o Congresso aprove a proposta de emenda constitucional que barra a nomeação de membros ativos das Forças Armadas para cargos de governo.
As Forças constituem uma instituição de Estado —servem ao país, não a governos. A distinção é importante tanto para preservar os militares de eventuais insucessos da administração como para assegurar que nenhum governante fará uso indevido do poder armado.
Jair Bolsonaro vem trabalhando para esmaecer essa saudável separação, convidando milhares de fardados, da ativa e da reserva, para integrar sua gestão. São postos dos mais diversos escalões, além de posições em estatais.
Não há muito o que objetar quando o nomeado já passou para a reserva, mas não se pode aceitar que se estabeleçam relações promíscuas com militares em atividade.
A aprovação da PEC ajudará a pôr um fim a esse mau hábito. Não parece haver razão, porém, para vincular essa discussão à criação de uma quarentena eleitoral para membros do Poder Judiciário, como já se cogita fazer. Esse é outro tema relevante e que merece debate, mas trata-se questões completamente autônomas.
O urgente agora é criar um Rubicão para proteger as instituições.
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