O Brasil já foi um exemplo. Conseguiu feitos que exigiram e contaram com a adesão da sociedade em torno de objetivos e metas. Muito além do Plano Real, que marcou uma mudança estrutural na economia brasileira, também foram grandes os avanços institucionais. Medidas como o fim da conta movimento entre Banco do Brasil e Tesouro Nacional; o estabelecimento do tripé macroeconômico – baseado no sistema de metas para inflação, na Lei de Responsabilidade Fiscal e na transição para o câmbio flutuante –; ou as grandes privatizações dos anos 90. Elas colocaram de pé instituições econômicas que, embora a duras penas, sobrevivem e mantêm o País resistente ao abismo.
No campo social, a universalização da educação, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e os programas de transferência de renda, todos eles derivados do antigo Bolsa Escola, se destacam como marcos de um tempo em que se fincaram as bases para o que o País se tornou desde então. Houve ainda avanços microeconômicos, em particular aqueles vinculados ao aprofundamento do mercado de crédito que, com uma agenda que se inicia em 1999 e avança no início dos anos 2000, ganha contornos institucionais que adicionam tração nos motores de crescimento e de geração de bem-estar econômico e social.
Mas nem só de grandes momentos positivos vive o passado. Crises existiram – e muitas. Mas foram enfrentadas e, ainda que em meio à adversidade, se assistiu a avanços relevantes. Foi assim nas grandes crises econômicas externas dos anos 80 e 90, com fortes impactos na economia local. Foi assim na crise do apagão, em 2001. Na crise de 2008, nossa famosa “marolinha”, uma inflexão começou a dar sinais de que o Brasil ameaçava perder o rumo. E perdeu.
Entrecortada por avanços espasmódicos a partir daí, inclusive nestes últimos anos, nossa trajetória econômica recente está registrada em um conjunto vasto de publicações que atravessam essas quase cinco décadas. Elas descrevem esses e outros avanços institucionais e registram os retrocessos a partir do início dos anos 2010. Mas esses registros mostram, acima de tudo, o que somos capazes de fazer quando a gestão pública se baseia em competência, planejamento, coordenação e liderança. Agora, além das pilhas de livros, artigos e tantas colunas de jornais, ganhamos a possibilidade de ouvir depoimentos primorosos dos protagonistas de avanços da história econômica brasileira recente. Lançada pelo Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças (Iepe/CdG), uma série de podcasts explora “a ciência, a prática e a arte da política econômica no Brasil”. Maravilha de eficiência desse nosso novo tempo em que se busca fazer tudo ao mesmo tempo e produzido para uma mídia muito mais atrativa para o público jovem, esses podcasts são, além de um importantíssimo registro histórico, uma aula de política econômica e de gestão pública.
São depoimentos de tempos não tão distantes. Talvez por isso mesmo sugerem uma reflexão e jogam um feixe de luz nos sombrios tempos atuais. Ao descreverem – cada um a seu modo, no seu tempo e na sua área de atuação – o quanto fomos capazes de produzir num passado ainda presente, os depoimentos nos fazem renovar as esperanças de que o futuro nos reserva mais. As falas se sucedem num mantra de gestão e espírito públicos, mostrando a dimensão e a potência de avanços que foram também se sucedendo e de experiências construídas na adversidade da vida pública, mas a partir de competência, conhecimento, foco e muita transparência.
Éramos uma economia mais frágil, mais exposta, com menos recursos e com ferramentas muito mais limitadas. Ainda assim, conseguimos avançar muito. As dificuldades – internas e externas – foram contrabalançadas por uma agenda de ações planejadas e coordenadas, implementadas por equipes lideradas, em vez de instigadas, ignoradas ou desautorizadas. A receita do avanço está toda lá e passa, sim, por competência, mas passa mais ainda por responsabilidade e por confiança e muito respeito mútuos, principalmente por quem se dispõe a liderar. Hoje, refletindo sobre essa herança bendita que ainda hoje nos evita retroceder muito – e quiçá nos permitirá voltar um dia a avançar –, aproveito para parabenizar e desejar muita saúde ao presidente Fernando Henrique Cardoso pelos seus felizes 90 anos.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAMENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA
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