Por que é tão difícil surgir o tal candidato de centro, embora existam políticos qualificados para tanto? A indagação não tem caráter metafísico, e eu não acredito na existência de uma maioria silenciosa à espera de Godot. Até porque o dito-cujo não aparece, certo? Um terceiro nome só se tornará viável se conquistar votos entre eleitores que já falam nas pesquisas —são eles a maioria.
A eleição de 2022 será, sim, fundamental para o futuro do Brasil. Trata-se de saber se a democracia vai ou não sobreviver. Não há risco de um golpe à moda antiga. Há outras formas, algumas já em curso, de pôr a tropa na rua. A milicianização das polícias é um exemplo eloquente do inferno que nos espreita. Que seja esconjurado.
A disputa define, pois, o futuro, mas também é um eco do passado. Vivemos as consequências de uma intervenção no processo eleitoral de 2018 que conduziu a uma artificialização da vida pública. Pouco depois de recuperar seus direitos políticos —que lhe foram arrancados por meio de instrumentos ilegítimos, de legalidade viciada —, Lula passou a ser o favorito na disputa. Seria competitivo ainda que Bolsonaro se comportasse como um estadista.
Mesmo que os adversários insistam em ressuscitar as denúncias contra o PT —e talvez seja o caso de se perguntar o que ainda não foi dito—, convém lembrar que, na eleição passada, Lula inventou, de dentro da cadeia, uma candidatura que esteve longe da humilhação. Não é só a redenção judicial que o beneficia. Há eleitores que o esperam desde 2018.
Mas e o centro? Se política fosse uma equação ou o desenho de um arquiteto, não haveria nome capaz de competir com João Doria. É um administrador eficaz e ofereceu resposta para o flagelo do nosso tempo:
vacinas. Por ora, sua situação eleitoral é desconfortável até dentro do PSDB —o que, para mim, soa como absurdo. O partido deveria tê-lo adotado e às vacinas como seus desde o fim do ano passado, a despeito dos erros que cometeu na economia interna da legenda.
Se Lula herda votos de 2018, os nomes de centro herdam dificuldades. Luciano Huck e João Amoêdo já pularam fora. Os agora ditos centristas deixaram-se contaminar pelo discurso reacionário de Bolsonaro. Liberais cometeram, em certa medida, o mesmo erro dos militares galonados: apostaram que o ogro se deixaria conduzir.
Imaginou-se que poderia ser empregado como um aríete contra o petismo e as esquerdas para ser tragado, depois, pela própria incompetência.
A história ensina que não se deve dar a caneta presidencial nem a um poste. Bolsonaro engoliu reputações em vez de ser engolido por elas. As forças da reação que mobilizou remetem aos piores demônios de nossa formação e de nossas deformações. A política do ódio não obedece a critérios de eficiência e atravessa o umbral do morticínio. E não se lhe negue a esperteza de ter percebido bem cedo de onde partia o perigo premente. Sua primeira guerra de destruição teve como alvo a direita democrática.
Proponho aqui uma questão aos postulantes desse centro ou da tal terceira via —e, nesse particular, incluo Ciro Gomes. Lula, obviamente, se oferece como “o” nome anti-Bolsonaro, mas há uma sublinha na sua postulação que diz pelo silêncio: “Ele é o mal a ser vencido”. Não se lhe deve fazer, por educação, a pergunta se votará em Ciro, Doria ou ainda numa incógnita caso não chegue à etapa final. Mas há poucas dúvidas sobre qual seria, nessa hipótese, a escolha do seu eleitorado.
O petista está tendo a inteligência de não criar uma inexistente equivalência entre Bolsonaro e os demais adversários. Quando alguém que se coloca como terceira via diz um “nem Lula nem Bolsonaro”, tende a falar a uma minoria que já vê os dois postulantes como males distintos, mas equivalentes.
Essa equivalência —falsa segundo os valores mais comezinhos da civilização— faz com que esse centro, por ora, fale a um eleitorado que tem um potencial de expansão muito pequeno. Entendo que o discurso da terceira via não está no “nem-nem”. Os 500 mil mortos até agora impõem uma primeira clivagem ética.
As propostas vêm depois.
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