Se há uma instituição que sai apequenada da crise sanitária, é o Conselho Federal de Medicina (CFM). Quando praticamente todos os órgãos reguladores e sociedades científicas relevantes do planeta já se manifestaram contra a prescrição de cloroquina para pacientes de Covid-19, o conselho segue falando em autonomia do médico e na legitimidade do uso “off-label”.
Também sou um entusiasta do “off-label”, que é uma fonte de inovação na medicina. Foi através dele, por exemplo, que um anestésico velho, a cetamina, está sendo reciclado como antidepressivo. Mas não é porque o médico tem autonomia que ele deve prescrever o que a ciência já mostrou que não funciona, especialmente quando há precedentes de veto do CFM a outras drogas e tratamentos.
Além da questão da cloroquina, há uma indisfarçável simpatia de conselheiros da atual gestão pelo governo Bolsonaro, que se materializa em pareceres, artigos na imprensa e até na presença de membros do colegiado numa reunião do chamado gabinete paralelo.
O problema, porém, é mais profundo do que uma aliança circunstancial entre conselheiros e governantes. Tem a ver com o próprio desenho do órgão, que é ao mesmo tempo entidade que zela por interesses de classe e autarquia com poderes normativos.
A primeira condição lhe dá legitimidade para defender pautas corporativas —foi, aliás, uma delas, a rejeição ao Mais Médicos, que aproximou muitos profissionais de saúde do bolsonarismo. A segunda exigiria que tivesse em vista apenas o interesse público e operasse exclusivamente com base em critérios científicos.
Juntar ciência e CFM na mesma frase sempre foi arriscado. Basta ver que o conselho reconhece a homeopatia como especialidade médica, embora seu estatuto epistemológico seja, numa hipótese generosa, controverso. O médico em busca de respaldo científico faz melhor se ignorar o CFM e ouvir as sociedades de especialistas.
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