A morte do príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth 2ª, aos 99 anos, foi recebida como um fato natural e absolutamente previsível no dia 9 de abril. A imprensa noticiou o caso lembrando a “idade avançada” e o aumento, a cada dia, de limitações e redução de autonomia e dependência, a ponto de ele ter sido obrigado a abandonar as atribuições da realeza. No entanto, no dia 4 de maio, o jornal The Telegraph anunciou com exclusividade a informação de que a causa da morte que consta na certidão de óbito é “idade avançada”.
No Brasil, esta Folha atribuiu a morte do fotógrafo German Lorca, aos 98 anos (20 dias antes de completar 99), em 8 de maio, a “causas naturais”. Esses fatos, cada vez mais presentes, são percebidos com naturalidade devido à idade das pessoas. Todavia, no debate científico, estão longe de ser algo inconsequente para a sociedade em seu processo de envelhecimento populacional. Nos dois exemplos, houve o reconhecimento oficial da velhice como uma doença, e essa é uma questão a ser encarada face o avanço da ciência.
A partir de 1º de janeiro de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhecerá oficialmente a velhice como doença. O código é MG2A e define “velhice sem presença de psicose”. Os médicos de Philip apenas se adiantaram ao que qualquer um de seus colegas poderá atestar em qualquer parte do planeta. A despeito da pandemia, esse deveria ser um tema relevante na pauta dos interessados em desenvolvimento econômico. É o que alerta a genética. Quanto aos planos de saúde, por exemplo: velhice será considerada uma doença preexistente?
O geneticista David A. Sinclair, autor do best-seller global “Tempo de Vida: Por que Envelhecemos —E Por que Não Precisamos”, é um dos maiores defensores da velhice como doença, e suas pesquisas como chefe de um dos principais laboratórios da Universidade Harvard buscam a cura da velhice. Com esse reconhecimento pela OMS, Sinclair espera receber mais recursos públicos para descobrir o gene do envelhecimento. Aliás, a área de maior investimento de gigantes do setor privado. Essa descoberta terá impactos socioeconômicos inéditos no que chamo de geopolítica do envelhecimento.
O debate sobre o tema é antigo nas ciências sociais. A negação desse ponto de vista foi mesmo o marco constitutivo de uma reformulação no campo específico de conhecimento a que se denomina gerontologia —inicialmente baseado em uma correlação negativa entre envelhecimento e modernidade e, mais tarde, arejado por uma pauta de transformações e possibilidades suscitadas por novas interpretações da velhice no século 20. Se no aspecto socioeconômico o Estado de bem-estar social descolou a velhice da pobreza, o avanço da medicina, o regramento de estilo de vida e a popularização de técnicas de rejuvenescimento emprestaram à ancianidade outras e várias imagens, bem distantes da então hegemônica senilidade ou decrepitude.
As pesquisas suscitadas pela Covid-19 em nonagenários que se curaram da doença podem, agora, acelerar a descoberta do gene do envelhecimento. Até lá, os países estarão diante de um desafio: regular a MG2A. A genética está bastante próxima de entregar uma vida muito além dos cem anos. Metade das crianças norte-americanas já viverá 104 anos, e metade das japonesas, 115.
A longevidade de grande conquista tornou-se um fator perturbador do capitalismo; por isso, está arrastando tantos descontentes, como o ministro da Economia, Paulo Guedes, que recentemente a lamentou sob razões fiscalistas.
Os geneticistas alertam os economistas para incluírem a economia da longevidade em suas projeções. Sinclair, por exemplo, esclarece que uma vida mais longa não significa, obrigatoriamente, mais tempo de trabalho. As transformações tecnológicas exigirão uma educação continuada que só será sustentável, diz ele, com ensino gratuito ou com uma renda básica universal, que permitirá uma reciclagem da força de trabalho de tempos em tempos, com “anos sabáticos”, sob pena de um crescimento exponencial de um exército de não empregáveis. Afinal, nem todos nascem príncipes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário