quarta-feira, 23 de junho de 2021

DUAS CIDADES Valter Caldana

 Definitivamente há duas cidades. Dois Planos Diretores. E duas revisões necessárias.

Uma, a cidade dos iguais, que tem um Plano cuja revisão pode ficar para o ano que vem, para o fim da pandemia, para quando o mar morto renascer...

Afinal, nada mais cômodo do que tudo como dantes no quartel de Abrantes. ZER é ZER, bairro consolidado é bairro consolidado. O mercado bate recordes e nós   vamos defendendo nossa pracinha. Com grades, ou sem, ou não ... nada é urgente.

A outra, é a cidade que está em colapso, que coloca milhões de pessoas numa situação de precariedade (quando não de marginalidade) incompatível com a riqueza que geram, que produzem e não usufruem.

Ambas tem um Plano Diretor com a mesma quantidade tanto de boas e necessárias intenções quanto de erros na regulamentação de seus instrumentos.

Para ambas o plano não serve para nada.

Para a primeira, a dos iguais, está claro que ele é dispensável. Seus erros podem ser corrigidos um dia, quem sabe. Vamos tocando.

Para a segunda, ele também não serve. Nunca serviu, porque ela nunca esteve nele. E, quando apareceu timidamente, 2014, erraram a mão nas regulamentações dos instrumentos.

PIUs,  cotas, retrofit... Ela poderia se servir deles. Mas, estão mal regulamentados. Não funcionaram. Puxa que pena. Aqui também, tudo como dantes no quartel de Abrantes. Ela nunca esteve nos planos. Vai continuar fora.

Mas, com ou sem plano, esta segunda cidade (de segunda?) tem pressa, está cansada, desgastada, esgarçada. Ela precisa de um Plano Diretor. Mas vive sem.  

Ela precisa de um Plano, mas não precisa de tutela, nem que falem por ela. Ela já está gritando há tempos. E está se fazendo, dia a dia, pedra a pedra, palmo a palmo, sarau a sarau, campinho a campinho.

Por isso, vai esperar a pandemia passar. E os iguais se entenderem, ou terem tempo...

Reduzir o Plano Diretor a uma discussão de mercado imobiliário e de altura de prédio em bairro consolidado é desprezar solene e oficialmente que a parcela do território que mais precisaria dos pálidos avanços do plano de 2014 não é objeto de interesse imediato do "mercado", o temido.

Reduzir o plano a esta discussão meramente imobiliária é colocar em risco até mesmo os tímidos avanços obtidos. E adiar a revisão dos instrumentos é desprezar o potencial mobilizador e transformador que um PDE pode ter, sob o pretexto de respeitá-lo.

Afinal, a ideia é mobilizar as massas para defender os predinhos de 8 andares no miolo de bairros no entre rios ou para regulamentar a cota de solidariedade?

Vamos baixar a sua aplicação para 5.000m². Alguém topa? E se uma parte das unidades produzidas na cota for colocada num fundo de locação, com venda proibida?

Mas, para que discutir isso agora... dá para esperar. Sem pressa. Quem sabe em 2029 fazemos outro plano bem bacana, com instrumentos convenientemente confusos.

Também não tenho pressa.

Pena que nem paciência.

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