Grandalhão, emotivo, falante, o repórter Ricardo Carvalho formava um par inusitado com a figura franzina e angelical de dom Paulo Evaristo Arns, de quem foi amigo durante mais de 40 anos.
A partir da segunda metade dos anos 1970, jornalista e arcebispo estiveram lado a lado, durante a fase final do regime militar.
Dom Paulo, morto em 2016, liderando a sociedade civil e pressionando pela abertura. Carvalho, repórter da Folha, dando nome às vítimas da repressão. O jornalista morreu no último domingo (20), aos 72 anos, de uma infecção causada por pancreatite.
Em 30 de março de 1978, uma histórica reportagem dele colocou um ingrediente a mais de tensão na visita já atribulada do então presidente dos EUA, Jimmy Carter, ao Brasil.
As cobranças públicas de Carter por respeito aos direitos humanos irritavam o general Ernesto Geisel.
Na edição daquele dia da Folha, Carvalho publicou uma lista de 23 desaparecidos políticos, até então sigilosa, que dom Paulo havia entregue a Carter. Incluía nomes como o ex-deputado Rubens Paiva e a professora da USP Ana Rosa Kucinski.
Era uma das primeiras relações do tipo a aparecer na imprensa. E o jornalista foi além, elencando outros 15 nomes que constavam de pesquisas feitas por entidades de direitos humanos.
“Ele foi um dos primeiros repórteres a cobrir sistematicamente a área de direitos humanos naquele período”, lembra o jornalista e amigo Ricardo Kotscho.
Foi nessa condição que Carvalho se aproximou de dom Paulo, e acabou escrevendo dois livros e produzindo um documentário sobre o arcebispo.
Também acompanhou de perto outras entidades que pressionavam pela abertura do regime, como a OAB e a Comissão Justiça e Paz.
"Conheci o Ricardo há quase 50 anos, numa reunião da OAB em Curitiba que ele foi acompanhar. Sempre foi um jornalista corajoso e fundamental na defesa dos direitos humanos”, diz o advogado José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns.
Carvalho estava finalizando uma biografia de Dias, e ambos conversaram na última sexta-feira sobre o livro (18) por telefone, marcando de se encontrar na segunda-feira (21).
“Ele me disse que ia fazer uma cirurgia de vesícula, mas que estava bem. A notícia da morte me causou um impacto violentíssimo, não só pela amizade, mas pelo respeito que tinha por ele”, afirma o advogado. O livro agora deve ser lançado postumamente.
Carvalho trabalhou na Folha até o início dos anos 1980. Passou depois por veículos como IstoÉ e TVs Cultura, Record e Gazeta, além de ter sido editor-chefe do Globo Repórter. Foi um dos primeiros jornalistas a falar de meio ambiente, muito antes de esse assunto virar prioridade no noticiário.
Em 1985, montou uma produtora de vídeos, onde fez programas de TV e documentários, além de participar de algumas campanhas eleitorais. Atualmente, era diretor da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) em São Paulo.
Chamado de “Ricardão” por amigos pelo porte avantajado, é lembrado por amigos como uma pessoa afável e sociável. “Ele era um sedutor nato, mal chegava na mesa do bar já estava abraçando todo mundo”, afirma o cartunista Paulo Caruso, que o conheceu no final dos anos 1960, quando os dois começavam a carreira.
Carvalho foi casado oito vezes, e deixa uma filha. Como lembra Kotscho, ele fazia piada com o fato de que a cada casamento desfeito a ex-mulher levava a geladeira. "Ele dizia que na vida tinha comprado oito geladeiras. Mas conseguiu ficar amigo de todas as ex-mulheres.”
RICARDO CARVALHO (1948-2021)
Estudou no Colégio Jesuíta São Luís e cursou jornalismo na Unip (Universidade Paulista). Trabalhou na Folha nos anos 1970 e depois teve passagens por diversos veículos, como a revista IstoÉ e as TVs Cultura, Globo e Gazeta. Foi produtor de vídeos, roteirista e autor de livros sobre dom Paulo Evaristo Arns e o maestro João Carlos Martins. Deu aula de reportagem no curso de jornalismo da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Era diretor licenciado da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
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