Quando o senador Eduardo Suplicy estava terminando de escrever seu livro sobre a renda mínima, ele decidiu passar algumas semanas morando na favela de Heliópolis para estar mais perto das pessoas que seriam impactadas pelo projeto.
Recebi de um repórter setorista do senado a dica de que ele havia acabado de sair de Brasília, pousaria em Congonhas e iria direto para seu retiro na maior favela de São Paulo. Peguei a câmera, e fui esperá-lo no desembarque do aeroporto.
Com o número do voo em mãos, não foi difícil encontrá-lo. Pedi para ir junto no trajeto até Heliópolis, mas o senador relutou. Não queria fazer publicidade do fato, soar oportunista. Era genuína sua vontade de passar um tempo com aquelas pessoas, conversar, ouvir, entender melhor suas necessidades.
Se tem algo que a gente aprende trabalhando na Folha é ser insistente. Não me lembro dos argumentos que usei, mas o convenci a me deixar ir junto. O senador parecia tenso, o que não era comum, mas sempre gentil, ofereceu uma carona até aquela que seria sua nova casa por algumas semanas.
No trajeto, pediu licença para fazer alguns telefonemas pois havia um problema grave para resolver. Como estava ao volante, conectou seu celular no viva voz e ligou para o então presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães.
Ouvindo a conversa, entendi o fato. Um servidor público havia estado no plenário do Senado naquela semana e ao ver um grupo de senadores conversando de costas para a tribuna em que um outro senador discursava, gritou revoltado pedindo respeito ao orador.
ACM, que presidia a sessão, revidou com sua fúria habitual e mandou a polícia do Senado expulsar o servidor do local. Em seguida pediu para sua assessoria descobrir onde ele trabalhava e exigir sua demissão por justa causa.
Suplicy, porém, estava decidido a salvar o emprego do sujeito. Com a calma e elegância de sempre, confrontou o então presidente do senado que parecia não acreditar que um senador da república estivesse tão preocupado com algo que a ele parecia tão pequeno.
No banco do passageiro eu vibrava e torcia quietinho como se assistisse de camarote a um daqueles clássicos confrontos cinematográficos do bem contra o mal.
Em seguida, o senador ligou para o presidente da estatal em que o servidor trabalhava e conseguiu a promessa de que ele não mais seria demitido. Só assim ele finalmente relaxou e começou a pensar na experiência imersiva que estava para começar.
Essa história de alguma maneira resume bem quem é o senador Eduardo Suplicy, um tipo de político raro, com vocação de verdade para o serviço público.
Quantas vezes dei de cara com ele em porta de delegacia indo defender quem quer que estivesse sendo vítima de abuso policial ou negligência. Nas reintegrações de posse ele chegava de madrugada, sempre antes da polícia para evitar que agissem com truculência.
Todo mundo tinha o telefone dele e ele atendia sempre, podia ser em qualquer hora. Suplicy é até hoje uma espécie de super herói da quebrada, acionado sempre que uma injustiça é cometida por algum agente público.
Desde os anos 1990 encontrei-o também muitas vezes assistindo aos shows dos Racionais na quebrada. Nessa época o grupo só entrava no palco depois das 4 da manhã, ele chegava quase sempre sozinho e não arredava o pé até o show acabar. Dançava, cantava e interagia com o público como se tivesse 20 anos, especialmente quando tocava "Homem na Estrada", sua música preferida.
São poucos os políticos que podem andar tranquilos em qualquer quebrada de São Paulo como Suplicy. Sua história foi construída com muita verdade e coerência e as ruas sabem reconhecer quem é assim. "Respeito é pra quem tem", cantou Sabotage em outro rap que o senador, que essa semana se tornou octogenário, certamente adora.
Se um dia eu tiver 10% da coragem e da coerência que ele tem poderei morrer tranquilo. Enquanto isso não acontece, sigo tentando melhorar tendo o senador Eduardo Suplicy como um dos maiores exemplos.
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