Em entendimento que mistura corporativismo e saudosismo autoritário, o governo Jair Bolsonaro defende que civis sejam julgados pela Justiça Militar por eventuais ofensas às Forças Armadas.
Não se trata apenas, infelizmente, de algum desvario proferido pelo presidente a sua claque de apoiadores mais radicais. A tese consta de parecer assinado pela Advocacia-Geral da União e protocolado no Supremo Tribunal Federal.
Tramita na corte uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) movida pela Associação Brasileira de Imprensa, na qual se discute o silenciamento e a intimidação de jornalistas e veículos de imprensa pelo uso de dispositivos do Código Penal Militar —instrumento adotado em 1969, no ápice da ditadura.
Segundo essa lei, civis poderiam ser julgados por crimes militares, o que incluiria delitos contra a honra de instituições da caserna.
Tecnicamente, o que está em jogo é a interpretação do artigo 124 da Constituição Federal, o qual determina que “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. A questão é se o dispositivo alcança apenas militares ou inclui civis.
Para além das minúcias jurídicas, não é difícil perceber que o tema remete à solidez das liberdades democráticas de imprensa e manifestação. Qualquer cidadão ou instituição tem o direito de buscar reparações em casos de ofensas, mas não se concebe motivo para que os fardados tenham suas demandas julgadas em foro próprio.
Tribunais militares têm expandido sua atuação nos últimos anos. Desde 2017, graças a lei sancionada por Michel Temer (MDB), essas cortes julgam crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares em atividade operacional.
É evidente o risco de que vieses corporativos nas decisões —note-se, por exemplo, que 10 dos 15 membros do Superior Tribunal Militar são generais da ativa— levem à brandura com colegas abusivos ou à censura de críticas externas incômodas. Trata-se, pois, de instituição que deve ter poderes restritos, não ampliados.
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