A decisão do STJ de restabelecer as condenações dos policiais que atuaram no massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos em 1992, não coloca fim ao imbróglio jurídico do caso e os PMs ainda podem ser absolvidos, segundo o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo.
De acordo com o chefe do Ministério Público paulista, o acórdão do ministro Joel Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça, deu razão ao recurso da Promotoria de que a decisão dos jurados não foi manifestamente contrária aos autos (motivo alegado para anulação das sentenças), mas existem outros pontos a serem debatidos no Tribunal de Justiça.
Os desembargadores podem, ainda segundo Sarrubo, voltar a anular as sentenças de primeiro grau, mas por outros motivos, exceto pelo ponto analisado por Paciornik —da individualização da conduta.
“Por esse motivo, não pode mais. O TJ está dizendo o seguinte: não há prova de quem matou quem, então tem que ser anulado. O júri decidiu condenar, mas não podia porque não há prova, porque foi uma decisão contrária aos autos. Quando o júri, na verdade, não decidiu isso. Esse é tema superado”, diz.
A anulação das sentenças não inocenta os policiais, mas obrigaria a um novo júri, no qual PMs poderiam ser inocentados. “Isso volta para o Tribunal de Justiça de São Paulo, que terá de apreciar outros aspectos do recurso. Era um recurso de apelação que tinha preliminar um pedido de anulação da decisão. O tribunal acolheu essa preliminar, e isso volta para o TJ, que vai apreciar os recursos de apelação de mérito”, diz Sarrubo.
Ao todo, 74 policiais militares foram condenados em cinco diferentes júris, em 2013 e 2014, a penas que variavam entre 48 e 624 anos de prisão. Esses júris foram anulados em setembro de 2016 pelo TJ. Em 2018, o Tribunal de Justiça voltou a analisar o caso. Manteve a anulação da condenação, mas voltou a discussão ao início e o mérito precisa ser analisado novamente, segundo avaliação da Promotoria.
De acordo com o Ministério Público de São Paulo, há uma estimativa de que os casos comecem a prescrever a partir de 2029, considerando a opinião mais favorável aos réus. Outros apontam 2037, em razão da manifestação do STJ neste ano.
Em sua decisão, conforme revelado pela Folha, o ministro diz que foram cinco julgamentos realizados em São Paulo e que a decisão dos jurados contou com análises subjetivas.
"A decisão dos jurados não pode ser acoimada de manifestamente contrária à prova dos autos. Para se alcançar tal conclusão, bastou a leitura dos atos decisórios", afirma o ministro Joel Paciornik em seu parecer, de 2 de junho.
Sobre a possibilidade de o caso ficar sem punições, por eventual prescrição do caso, Sarrubbo disse que a Promotoria de SP vai trabalhar para que isso não aconteça. “Nós vamos acompanhar, faremos o mesmo aqui no TJ, primeiro para que haja a necessária celeridade. Segundo, para que a gente possa buscar a Justiça, uma vez que o Brasil é cobrado até internacionalmente, os organismos de direitos humanos internacionais sempre pedem um resultado para essa questão.”
“O Ministério Público vai fazer o seu papel, que é buscar a Justiça e acionar o sistema de Justiça para que ela venha de forma rápida e eficaz”, disse Sarrubbo.
Dois procuradores de Justiça do Ministério Público de São Paulo e um desembargador do TJ paulista ouvidos pela Folha afirmam ter posicionamento diferente sobre o processo. Para eles, a decisão do STJ impede que o TJ paulista volte a anular as decisões de primeira instância.
Por esse entendimento, o processo, quando voltar ao Tribunal de Justiça (ainda é um processo físico), poderá ser analisado pela 4ª Câmara apenas sobre dosimetria, ou seja, verificar se as penas aplicadas pelo juiz de primeira instância foram justas ou merecem algum reparo.
A análise da duração da pena poderia ser concluída ainda neste ano, quando os PMs passariam a poder ser presos.
A advogada Ieda Ribeiro de Souza, uma das defensoras dos policiais ouvidos, disse concordar com o Ministério Público de que a decisão do STJ não termina a discussão no TJ por conta da decisão de 2018 –que voltou a decisão em segunda instância ao início.
Ainda segundo Ieda, ela ainda busca que os tribunais superiores aceitem o argumento do desembargador Ivan Sartori que, em 2016, quis absolver todos os policiais envolvidos no julgamento, ao estender a eles a decisão sobre dois policiais militares que não entram nos pavilhões e, por isso, foram inocentados.
“Vou continuar discutindo isso até o final. O recurso vai subir e vamos discutir isso lá”, afirmou ela.
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