Fernando Reinach*, O Estado de S.Paulo
19 de junho de 2021 | 05h00
Enquanto no Brasil a vacinação continua lenta, muitos países vacinaram mais de 60% da população e ficou claro que as vacinas de mRNA, além de evitar hospitalizações, bloqueiam boa parte da transmissão comunitária. Além disso protegem contra novas variantes, mesmo perdendo efetividade frente às mais agressivas.
No Brasil estamos no bom caminho. A fábrica da Fiocruz está iniciando a produção da vacina da AstraZeneca e um número crescente de doses da Pfizer está chegando. A grande incógnita continua sendo a Coronavac: o estudo da fase 3 que mediu sua eficácia ainda não foi publicado. Não há estudos sobre sua eficácia em idosos ou crianças e tampouco trabalhos científicos que comprovam sua efetividade contra as novas variantes. Sabemos que ela produz poucos anticorpos neutralizantes e os estudos de efetividade, tanto nos funcionários do Hospital das Clínicas da USP, quanto em Serrana, sequer foram publicados na forma de manuscritos. Essa é a única vacina que ainda não obteve o registro definitivo na Anvisa, apesar de ter sido aprovada para uso emergencial pela OMS. Nesse início de vacinação a Coronavac ainda tem um papel importantíssimo no Brasil, mas sem esses dados vai ser cada vez mais difícil justificar a continuidade do uso.
Países desenvolvidos estão escolhendo quais vacinas utilizar caso seja necessário aplicar com periodicidade anual. Isto pode ser necessário ou porque a imunidade induzida dura pouco ou pelo surgimento de novas variedades. É nesse contexto que estão surgindo estudos que comparam diretamente duas ou mais vacinas na mesma população, no mesmo intervalo de tempo (e, portanto, na presença das mesmas variantes). O mais importante deles é a comparação entre Pfizer e AstraZeneca no Reino Unido publicado esta semana.
O Reino Unido implementou um sofisticado sistema de monitoramento da pandemia. Toda semana pesquisadores visitam milhares de residências escolhidas ao acaso, com uma metodologia muito semelhante à que usa em São Paulo o grupo de cientistas a que pertenço. A diferença é que, em vez de testar para a presença de anticorpos (o que detecta as pessoas já infectadas), os ingleses coletam amostras para fazerem o teste de PCR (que identifica as pessoas infectadas no dia da coleta).
Com esses dados o serviço de saúde sabe quantas pessoas estão transmitindo a doença naquele momento. É por isso que costumam divulgar que, por exemplo, 1 em cada 1.342 pessoas estão transmitindo a doença num dado dia. Além disso, as pessoas que testam positivo no PCR têm o genoma do vírus que os infecta sequenciado, o que permite que a variante seja identificada.
É dessa maneira que eles acompanham o aumento de alguma variante, como o que está acontecendo agora com a indiana. Cada pessoa também responde a um questionário e esse enorme banco de dados é enriquecido com os dados sobre seu estado vacinal (que imunizante foi aplicado e quando tomou cada dose).
Analisando 1.945.071 resultados de PCR coletados em 383.812 pessoas entre 1.º de dezembro de 2020 e 8 de maio de 2021, foi possível aos epidemiologistas ingleses comparar a efetividade da AstraZeneca com a Pfizer. Os resultados surpreenderam. Vinte e um dia após a segunda dose, a da AstraZeneca reduziu a probabilidade de infecção dos vacinados (isso inclui os casos assintomáticos) em 79% e a vacina da Pfizer em 80%. Esse resultado demonstra que, neste caso, as duas vacinas induziram exatamente a mesma proteção.
Esse resultado reforça a ideia de que estamos no caminho certo no Brasil ao aumentarmos o uso dessas duas vacinas. Mas é bom lembrar que no Brasil as variantes hoje são outras. O resultado também demonstra como é importante acompanhar a efetividade das vacinas e selecionar as mais adequadas. O fato é que o Brasil ainda rasteja no monitoramento da pandemia e na análise das variantes que circulam por aqui.
MAIS INFORMAÇÕES: IMPACT OF VACCINATION ON NEW SARS-COV-2 INFECTIONS IN THE UNITED KINGDOM. NATURE MEDICINE. doi.org/10.1038/s41591-021-01410-w 2021
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