Os 40 líderes mundiais que responderam ao chamado do presidente americano Joe Biden para participar da Cúpula da semana passada indicaram o caminho que a humanidade precisará percorrer nas próximas décadas se quiser se mostrar à altura de deter a emergência climática. Uma compreensão confusa dessa sinalização e do próprio interesse nacional pode deixar o Brasil para trás nesse percurso.
Parece haver um relativo consenso de que a linha de chegada da corrida contra o aquecimento global deverá ser atingida entre 2050 e 2060, quando boa parte dos maiores emissores de gases de efeito estufa promete que terá alcançado a neutralidade de emissões, o que significa um balanço zero entre o carbono que é despejado e aquele que é absorvido da atmosfera.
Para tanto, é importante também assumir o compromisso de que, não muito tempo após a largada que já foi dada, as reduções obtidas terão sido condizentes com o desempenho esperado para alcançar esse objetivo final. E foi em relação a esse ponto que a Cúpula trouxe as melhores notícias.
É sabido que as contribuições definidas no Acordo de Paris não serão suficientes para manter o aumento de temperatura do planeta abaixo de 1,5ºC, limite que, se superado, acarretará graves consequências, como demonstrou o Painel Intergovernamental sobre a Mudança do Clima da ONU. Para não ultrapassar esse teto, acredita-se ser necessário que, até 2030, o corte global de emissões seja de pelo menos 45%.
Assim, o fato de que cinco dos dez maiores emissores tenham anunciado que pretendem cortar suas emissões pela metade ou quase isso até esse mesmo ano renova as esperanças de que nem tudo esteja perdido.
O Brasil está nesse grupo. Em seu fala, o presidente Jair Bolsonaro divulgou as metas de reduzir as emissões em 43% até o fim desta década e de alcançar a neutralidade de emissões em 2050, dez anos antes do anteriormente previsto, causando alívio para aqueles que temiam que a atitude negacionista apresentada na última Assembleia Geral da ONU se repetisse.
Porém, a comunidade internacional desconfia das promessas do nosso governo, cujas práticas ambientais diferem e muito do discurso conciliador apresentado na Cúpula. Até mesmo o pleito por ajuda financeira internacional – algo que, embora tenha sido feito em um inapropriado tom de chantagem, seria legítimo pelos princípios adotados nas negociações climáticas – passa a ser questionado quando se sabe que os recursos do Fundo Amazônia estão parados pela não aceitação de suas regras de governança pelo governo, que se apega a uma visão distorcida de soberania que desconsidera os benefícios da cooperação internacional e ignora o real interesse nacional.
Pois é no interesse nacional que está a razão pela qual o Brasil, soberanamente, deve seguir o caminho da sustentabilidade. Não enxergar que esta é uma tendência inevitável causará isolamento e empobrecimento.
Nosso agronegócio já começou a sentir na pele os efeitos que uma política ambiental desastrosa pode ter para nossas exportações, e essas pressões só tendem a se agravar com a nova postura dos EUA e com o alinhamento que está se formando internacionalmente a favor do meio ambiente. O risco de que o Brasil não consiga celebrar novos acordos de livre comércio, como aquele entre Mercosul e União Europeia, hoje paralisado, é real. E esse é um movimento que não abrange apenas Estados, mas também empresas e consumidores.
O governo, entretanto, mostra pouco entendimento dessa realidade. Vamos lembrar que a reação do presidente brasileiro, ao comentar que o então candidato Biden teria afirmado que, se o Brasil continuasse queimando a Amazônia, poderia levantar barreiras comerciais contra o País, foi dizer que “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”. Difícil de entender. Claro que é importante que sejamos capazes de defender nosso território. Mas, no caso desta ameaça específica, de caráter comercial, como é que a pólvora nos ajudaria? Entraríamos em guerra com os EUA e outras nações para forçá-las a abrirem seus portos para nossos produtos?
Evitar criar dificuldades para os produtores nacionais não é o único motivo pelo qual queimar as florestas vai contra nosso próprio interesse. Poucos se beneficiam do desmatamento, enquanto a opção pelo desenvolvimento de uma bioeconomia na Amazônia, na qual inovação e tecnologia se aliem ao conhecimento dos povos indígenas para a exploração sustentável dos recursos da região, geraria riqueza muito maior, e para o Brasil com um todo – não é para menos que o discurso de Biden na abertura da Cúpula deu ênfase aos empregos que a guinada para uma economia de baixo carbono poderia criar em seu país.
Além disso, ao não nos posicionarmos adequadamente em relação a um tema que estará no centro da geopolítica mundial neste século, cometeremos outro erro. O Brasil tem tudo para ser o oposto de um pária do clima. Com matriz energética mais limpa do que a média e grande biodiversidade, temos potencial para ser um dos líderes de uma economia global verde. A descarbonização geral nos interessa, portanto. Aliás, interessa nem que seja apenas para nos protegermos do aumento na imprevisibilidade do clima, com longas secas e chuvas excessivas que podem ser extremamente nocivas para quem é hoje uma potência agrícola e correria o risco de perder seu lugar. Ao não contribuirmos para o esforço internacional de redução de emissões, estaríamos nos autossabotando.
Nesse contexto, temos condições de saltar rapidamente à frente. Para atingir nossa meta para 2030, praticamente bastaria acabarmos com o desmatamento, que representa quase metade das nossas emissões. Ou seja, cumprindo nossas leis e deixando de fazer mau uso da floresta – algo para o que o prazo de quase uma década parece demasiado, inclusive –, estaríamos com meio caminho andado. Outras nações, como a China, que ainda depende muito do carvão para promover seu crescimento, ou os países desenvolvidos, que terão que mudar radicalmente seu estilo de vida e forma de produção, têm um trajeto muito mais difícil a percorrer neste início.
Logo, é de interesse nacional seguir o caminho delineado na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Mas essa estrada tem bifurcações, e o Brasil precisa ter cuidado para não entrar em uma via sem saída. Seguir na direção errada vai nos obrigar a retornar em algum momento, e aí será muito difícil recuperar terreno. É preciso acertar o rumo já. Não temos tempo a perder.
Eduardo Felipe Matias é Doutor em Direito Internacional pela USP e autor do livro A Humanidade contra as Cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade, ganhador do Prêmio Jabuti
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