Um motivo da relativa pobreza e do baixo crescimento do Brasil é o mau funcionamento da economia de mercado, se é que “tudo isso que está aí” pode ser chamado assim, de “economia de mercado”. A lei de privatização da Eletrobrás avacalha ainda mais essa geringonça nacional.
A aprovação dessa lei porca e dinheirista foi aplaudida por empresários beneficiados, por governos locais, pelo povo do mercado que tinham comprado ações da empresa e por Paulo Guedes, o tiozão do Whatsapp pinochetista que é a fantasia caricata de liberal do governo de Jair Bolsonaro. Liberal mesmo não tem aí nessa turma. É todo mundo mero negocista ou coisa pior.
“Economia de mercado” é uma ideia abstrata, um modelo incompreensível ou que desinteressa a maioria das pessoas mesmo quando apresentado na sua versão mais simples. Trocando em miúdos muito grossos, o mercado não funciona ou talvez inexista por aqui porque muita decisão de investimento não é orientada pelo cálculo da rentabilidade do negócio em si, por preços livres e custos, pois tal decisão é influenciada de modo pesado pela “rentabilidade” decidida pelo governo.
Um investimento, a criação ou expansão de uma empresa, pode pagar 20% ou 40% de imposto, digamos, porque foi realizado em tal ou qual região ou para produzir tal coisa e não outra. Talvez não pague imposto algum ou até receba um incentivo extra. Quanto mais favor e iniquidade de tratamento, menos o emprego do capital é orientado pelo critério de eficiência. Menos eficiência, menos produtividade; ineficiências somadas diminuem o crescimento.
O Brasil tem centenas de regimes especiais de tributação, subsídio, proteção tarifária (no comércio exterior) etc. É difícil imaginar um setor médio ou grande que não tenha sua regrinha especial de favor, cavada em um lobby velho ou coisa pior.
A lei de privatização da Eletrobrás está cheia de subsídios e determinações de investimento que, em princípio ou por princípio, subvertem a ideia de uso eficiente de recursos (que depende de concorrência). Teve apoio de Guedes, que quer fazer onda que privatizou uma “joia da coroa”, que se danem os estragos.
A incompreensão do que pode haver de útil em uma economia de mercado é notável nos comentários mais comuns sobre a reforma tributária. “Vai simplificar o pagamento de impostos” etc. Sim, isso é importante também, até porque a lei, de tão confusa, provoca disputas jurídicas imensas (mal ou bem-intencionadas), com o que as empresas não sabem quanto devem de tributos e, assim, desconhecem seu custo.
Essencial, porém, é a ideia de que a cobrança de impostos não vá influenciar excessivamente a decisão sobre o melhor uso do capital. Para tanto, impostos têm de ser, o quanto possível, uniformes (um setor ou região não pode pagar zero e outro 50%). Obviamente, a relativa uniformização vai produzir ganhadores e perdedores setoriais e, em tese, um ganho social (total) maior. Obviamente, uma reforma profunda vai empacar pelos mesmos motivos que provocaram a aprovação dessa lei porca de venda da Eletrobrás.
Sim, mercados têm um monte de problemas, reconhecidos pela maioria dos economistas-padrão: falhas de mercado, de coordenação, distribuição muito desigual etc. Sim, há mais o que criticar, mas por ora passemos. Além desses problemas, criamos um monstro de produção de favores pior do que aqueles que vemos em economias capitalistas menos incivilizadas. Guedes, Bolsonaro, empresários corsários e parlamentares negocistas criaram mais uma cabeça nesse monstro.
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