domingo, 20 de novembro de 2011



O monstro amazônico








Lúcio Flávio Pinto

Por Lúcio Flávio Pinto . 16.11.11 - 15h29


Em 1980 a Companhia Vale do Rio Doce ainda era estatal (foi privatizada por FHC em 1997). Seu patrão era o governo federal, controlado pelo último general do ciclo de presidentes do regime militar, iniciado em 1964, com a deposição do presidente constitucional, João Goulart.
A CVRD estava a meio caminho de colocar em produção a melhor jazida de minério de ferro do planeta, na serra dos Carajás, 550 quilômetros ao sul de Belém, no Pará. A entrada desse excepcionalmente rico minério – o mais usado pela indústria – no mercado, em 1984, revolucionou a siderurgia mundial.
Dentre outros motivos, por desbancar alguns gigantes industriais, como a americana United States Steel (que foi dona exclusiva de Carajás de 1967 a 1969, quando os militares a obrigaram a se associar à CVRD), a 1ª do ranking nessa época; e favorecer a ascensão das empresas japonesas, chinesas e coreanas. Uma história ainda inédita, como quase tudo na Amazônia recente.
Com Carajás, a Vale consolidou sua posição de maior produtora de minério de ferro do mundo, abriu para si o mercado asiático, galopou para o topo das mineradoras, tornou-se a maior empresa brasileira e a maior exportadora do país. Não era pouco poder. Mas a Vale queria mais. Em 1980 ela entregou ao governo um estudo que encomendara. O título estava em inglês: Metal Amazon. O texto, também. O documento nunca precisou ser traduzido para atingir seus objetivos: ampliar ainda mais o domínio da mineradora sobre um território muito maior.
A província mineral de Carajás, a mais importante que existe na Terra, ocupa 1,5 milhão de hectares. Mas a Vale queria controlar um território 10 vezes maior, de 15 milhões de hectares, equivalente ao tamanho do Estado da Paraíba.
Para não provocar as previsíveis reações, um órgão oficial foi criado para exercer sua jurisdição sobre esse quase-Estado (que coincide com a proposta do estado de Carajás, que irá a julgamento plebiscitário no dia 11 de dezembro). Nesse espaço executaria um vasto programa de infraestrutura e de indução a investimentos produtivos, de US$ 62 bilhões (valor da época), que passou a ser conhecido superlativamente por “Carajazão”, ou Grande Carajás, para poder distingui-lo (nem sempre com sucesso) do Carajás “apenas” mineral.
Recursos públicos iriam subsidiar tanto ferrovias, portos, estradas e hidrovias quanto siderúrgicas, metalúrgicas e reflorestamentos, em escala ciclópica e com energia explosiva. Era preciso acelerar o ritmo da ocupação, alargar-lhe o horizonte e colocar os produtos gerados a caminho dos mercados internacionais, especialmente da Ásia.
Na base ideológica e técnica dessa empreitada, o tal Metal Amazon, a Amazônia era comparada ao monstro de Loch Ness (ou Lago Ness, localizado na Escócia). Os engenhosos ideólogos, que continuam a movimentar as engrenagens da formação das fronteiras econômicas, recorreram à figura mitológica do monstro para explicar o “fator amazônico”, um elemento complicador próprio da região (tão selvagem quanto as brumosas paragens escocesas), a onerar os investimentos públicos e privados.
Mesmo sendo constituída pela maior floresta tropical do mundo (com um terço da mata remanescente), a maior de todas as bacias hidrográficas e a presença humana remontando a mais de 10 mil anos, a Amazônia, nessa bitola colonial, seria um “espaço vazio”.
Árvores, águas e nativos são invisíveis por essa ótica, que tem sido a matriz da política de dominação da região. Mais do que isso: são um estorvo para o desenvolvimento e o progresso, estes, sim, conceitos estranhos ao bioma amazônico e a toda sua história anterior à chegada dos europeus. Mas impositivos nos tempos atuais. Ferramentas dos colonizadores vitoriosos. Daí ter-se desencadeado a maior destruição de florestas de toda história humana (mais de 700 mil quilômetros quadrados em menos de meio século), pondo-se abaixo um recurso muito mais nobre, como a madeira e toda diversidade biológica, e substituindo-o por outro de valor incomparavelmente inferior.
É o que explica um município rico em florestas, como São Félix do Xingu, também no sul do Pará, abrigar agora o maior rebanho bovino do país. Milhares e milhares de exuberantes árvores multicentenárias foram abatidas – e continuam a ser derrubadas – para dar lugar a pastos.  Sobre essa vegetação rasteira se multiplicaram os animais, com rebanho de 2 milhões de cabeças, sem, no entanto, adquirir qualidade bastante para lhes conferir maior valor agregado minimamente satisfatório. Maior município pecuário brasileiro é apenas um título de pobreza quantitativa.
É também por isso que o orçamento de uma grande hidrelétrica, como Belo Monte, no rio Xingu, antes mesmo de começar a ser construída, no intervalo de apenas dois anos, passa de R$ 19 bilhões para R$ 28 bilhões (movimento acompanhado pelas grandes empreiteiras nacionais, que pularam da posição de concessionárias de energia para o posto que lhes cabe, de construtoras de grandes obras, em geral superfaturadas).
O exemplo mais recente é o da ponte sobre o rio Negro, ligando Manaus a Iranduba, no estado do Amazonas, inaugurada no dia 24 do mês passado pela presidente Dilma Roussef e o ex-presidente Lula. Com 3.600 metros de extensão, é a maior já construída sobre águas fluviais no Brasil. Devido aos “fatores amazônicos” engendrados pelo monstro de Loch Ness, o custo da obra cresceu 90% além do limite previsto, indo a mais de R$ 1 bilhão, nos quatro anos em que foi construída.
Justificativas, números e planilhas sempre são apresentados para dar endosso à obra ou carimbar seu custo extraordinário. Mas quando nenhum argumento é convincente, o desconhecido e inexplicável é chamado à ribalta para assustar os céticos ou iludir os crentes. E assim, sob a face do monstro, a Amazônia desaparece.

A janela de Lula






Imagens que perscrutam ex-presidente podem ser apenas 'paparasitismo'. Mas o fotojornalismo vive, em poderosas reencarnações/ Aliás

20 de novembro de 2011 | 3h 09

Claudio Edinger, fotógrafo carioca radicado em São Paulo, trabalhou para as principais revistas do mundo. É ganhador, por duas vezes, da Leica Medal of Excellence (pelos livros Chelsea Hotel, Venice Beach) e do Life Magazine Award (por Loucura)
Nos anos 80, Cornell Capa, diretor supremo do International Center of Photography, então o lugar mais importante de fotografia no mundo, disse para quem quisesse ouvir (eu estava lá): "O fotojornalismo está morto!" Eu ri. Ele era mesmo dado a exageros. Se alguém podia era ele. Húngaro, irmão do famoso Robert Capa, com uma obra razoável, membro da famosa agência Magnum, tinha todo direito à hipérbole. Depois, pensei, de certa forma o Cornell tem razão, está morto mesmo, a CNN com seus repórteres onipresentes 24 horas no ar, matou o fotojornalismo, aquele romântico, de artistas que traziam a notícia com imagens espetaculares a que ninguém mais tinha acesso. Foi-se a era de um Lewis Hine revelando em imagens o trabalho infantil abusivo. De Jacob Riis mostrando as favelas de Manhattan. Ou de W. Gene Smith denunciando o desastre de Minamata no Japão com fotos espetaculares. Acabou a época em que fotos coloridas com o sangue dos soldados americanos ajudaram a acabar com a Guerra do Vietnã.
Nos últimos 30 anos, entretanto, desde que Cornell profeticamente liquidou o fotojornalismo, tem havido uma revolução na fotografia. O trabalho autoral, em que, olhando-se a foto é possível identificar seu autor, tem tomado conta de todas as áreas, além da arte, da moda, da publicidade e do fotojornalismo. Mesmo em revistas como a Time e a Newsweek é comum vermos fotos autorais, trabalhos únicos elaborados, verdadeiras interpretações do real contando uma história que funciona em diversos níveis: informativo, psicológico e estético.
Tenho observado, aqui de longe, a janela do nosso ex-presidente. Momentos talvez mais dramáticos de sua longa e movimentada vida, revelados em parcas frações de segundos para os paparazzi de plantão e, por conseguinte, para todos nós. É sensacional o paralelo com outra janela na fotografia. Em 1978, John Szarkowski, o diretor de fotografia do MoMA nova-iorquino, organizou uma exposição chamada Windows and Mirrors (Janelas e Espelhos). Foi uma mostra revolucionária, em uma época em que a fotografia começava a migrar dos jornais e revistas para as paredes dos museus e galerias - e dos colecionadores e aficionados.
Espelhos eram fotos que refletiam o mundo interior de fotógrafos como Ansel Adams, Ralph Gibson e Robert Mapplethorpe. Fotografias enquanto janelas eram as de Robert Frank, Garry Winogrand e Diane Arbus, que nos mostram um mundo único, particular, que sem a ajuda desses olhos privilegiados não teríamos percebido. No caso da nossa janela em São Bernardo ela acaba virando também um espelho, que mostra um pouco do que somos, de como nossa curiosidade obriga fotojornalistas a montar acampamento esperando que a janela de novo se abra e nos revele novidades. Uma fotografia que está mais para o 'paparasitismo'.
Vemos como somos. Gosto quando ouço que fotografias não representam a realidade. Que são recortes do espaço. De 360 graus de possibilidades, o fotógrafo recorta ali, retira aquele pedaço de espaço no tempo. Fotos são sugestões, alusões, sonhos, imagens do nosso inconsciente que se manifestam. Susan Sontag diz que a fotografia, em vez de registrar a realidade, se transformou na maneira de como vemos as coisas e dessa forma distorceu nossa própria noção do que é real. Hoje, o que vem crescendo e afetando as pessoas, como a pintura afetou no século passado, do impressionismo à pintura abstrata, é exatamente essa fotografia autoral: aquela em que enxergamos o mundo particular de um artista e, se o trabalho é bom, encontramos ressonância com nosso próprio universo.
O mundo íntimo do fotógrafo Miguel Rio Branco transborda em suas imagens poéticas e sutis. A dor e a beleza da história de seus antepassados está em todo o trabalho de Eustáquio Neves. A infância atribulada de uma alemã sob o domínio russo pode ser vista no trabalho incrível de Loretta Lux. O exílio e a perda de identidade também podem ser percebidos no trabalho brilhante do cubano Abelardo Morell, que cria câmeras obscuras em quartos e salas que visita. Os stills do filme da vida de Gregory Crewdson ou Cindy Sherman são maravilhosos. A fotografia utilizada assim, como catarse ou metáfora, enriquece, provoca, atiça nossa imaginação. E o mercado das artes corresponde ao que vem acontecendo. Uma fotografia de Cindy Sherman foi vendida recentemente por US$ 3,9 milhões, mais que por trabalhos da grande maioria dos artistas vivos. Mas menos que o de outro fotógrafo, o alemão Andreas Gursky, cuja obra alcançou o recorde de US$ 4,3 milhões agora em novembro.
Quando lemos um bom livro, cada cena descrita, cada situação, aparece na mente de cada um de uma forma absolutamente própria, relacionada ao nosso universo particular. Claro, ninguém lê o mesmo livro nunca. Tudo se relaciona ao que já sabemos e ao que conseguimos imaginar. Roland Barthes diz que os verdadeiros realistas entendem que a fotografia não é realidade, é mágica, é vodu. Quando fui parar dentro do Juqueri em 1989, tentando entender a loucura, a câmera me levou para lá. Vodu puro, alquimia antiga, visitar um asilo de doentes mentais com uma câmera grande, tripé e flash, e sair de lá carregando ideias, medos pessoais, descobrimentos. A câmera registrou momentos que me forçaram a refletir. Que obrigaram muita gente a refletir sobre um universo do qual sabemos tão pouco. Muita gente não quis abrir o livro que fiz sobre a loucura. O coração não sente o que não vê.
Quando vemos imagens, a tendência natural é acreditar nelas. Pensamos em imagens, sonhamos imagens, nossa lembrança é construída por imagens. Imagens satisfazem nossa imensa curiosidade. Quando o homem estatisticamente mais querido do Brasil fica doente, vemos suas fotos e nossas reações são diversas. Mas não se pode negar que são fotos da nossa história descarrilada. Susan Sontag, no livro A Doença como Metáfora (Companhia de Bolso, 2007), falando da própria enfermidade, diz que a sociedade tende a psicossomatizar o câncer, relacionando a doença a fatores mentais: ficamos doentes quanto reprimimos sentimentos, angústias.
A força da fotografia é sua influência em nossa imaginação. Como não tem limite, a imaginação precisa de um norte, um leme - aí sim, navega bem. A fotografia tem essa força e impacto. O Hotel Chelsea em Nova York era só um prédio de dez andares para quem passasse pela Rua 23 em direção à Oitava Avenida. Mas dentro havia um microcosmo extraordinário da vida cultural nova-iorquina. A fotografia nos possibilita essa entrada em universos fechados. Cada foto de cada quarto nos dá sugestões de como a vida de cada um deve ser, pode ser, de acordo com nosso limite. Não vemos as coisas como são, diz Anaïs Nin, mas como somos.
Por outro lado, ouço dizer que, ao vermos repetidamente imagens que nos tocam, a tendência natural é que deixem de ter o efeito desejado, vamos nos dessensibilizando. Imagens de moradores de rua têm esse efeito. Ou imagens de motoqueiros caídos nas avenidas. A repetição acaba com a eficácia das imagens, dizem... Será? O paradoxo é que imagens que capturam nossa imaginação circulam hoje numa velocidade estonteante pelas redes sociais, multiplicando seu efeito. Ainda agora, acabo de ver uma foto do presidente Lula no Facebook, na parede de um amigo, Lula sem cabelo, rindo nos braços de d. Marisa, com os dizeres que emocionam: "É isso aí, cabeça erguida, sorriso no rosto, força Lula!" Quarenta e sete pessoas curtiram isso. As imagens ganharam uma força inacreditável com as redes sociais. O fotojornalismo morreu, mas o fotojornalismo ganhou mais força do que nunca, pelas redes e pelos sites de notícias que usam cada vez mais fotos dos próprios leitores.
Walter Benjamin disse que, no futuro, analfabeto não será mais quem não sabe ler, mas quem não sabe ver uma fotografia. O futuro chegou. As pessoas estão cada vez mais letradas fotograficamente. Todo mundo tem uma câmera, tira milhares de fotos por ano e, por isso, exige tanto da fotografia e, por isso, fotografias têm cada vez mais vida útil e, por conseguinte, mais impacto. O fotojornalismo está morto, sim, mas continua mais vivo que nunca em suas novas reencarnações poderosas.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011



Acúmulo de lixo em piscinões da Grande SP eleva risco de enchentes



PUBLICIDADE
EDUARDO GERAQUE
DIEGO PADGURSCHI
DE SÃO PAULO17/11/2011 - 07h38
A temporada de chuvas começou e o acúmulo de lixo e terra nos piscinões de cidades da região metropolitana de São Paulo aumenta o risco de cheias também na capital paulista.
Em vez de solução, a Folha ouviu de prefeituras e do governo do Estado a mesma resposta: não são responsáveis pela limpeza dos piscinões.
O jogo de empurra deve terminar na cidade de São Paulo. Como todos os rios e córregos da região metropolitana chegam ao rio Tietê, se a água que deveria ficar represada pelos piscinões seguir rio abaixo, fatalmente chegará ao município e afetará a vida de milhões de paulistanos.
Foi o que aconteceu em janeiro deste ano, causando inundação em plena marginal Tietê.
Diego Padgurschi/Folhapress
Menino atravessa o córrego Oratório no meio do mato alto e entulho dentro do piscinao no Jardim Sonia Maria, em Mauá.
Menino atravessa córrego Oratório no meio do mato alto e entulho que há em um dos piscinões de Mauá
TERRA, MATO E LIXO
Em Diadema e Mauá, que têm sete reservatórios para atenuar as enchentes de verão, a capacidade de armazenamento de água está menor por causa do quantidade de terra, mato e lixo.
Em Mauá, o piscinão Sonia Maria é um retrato da falta de limpeza dos reservatórios de água da chuva. Muita terra e mato alto são visíveis e mostram que faz tempo que nenhuma máquina passa por ali para fazer a limpeza.
Em Diadema, no piscinão Imigrantes, garrafas plásticas e muito lixo podiam ser vistos, nas vésperas das primeiras chuvas fortes da temporada, que ocorreram no início do feriado prolongado.
Em São Bernardo do Campo, três piscinões --Vila São José, Ford Fábrica e Bombeiros-- estão sujos.
Editoria de Arte/Folhapress
LICITAÇÃO FUTURA
O DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), órgão estadual responsável pela construção dos piscinões na região metropolitana de São Paulo, afirmou que a responsabilidade pela limpeza dos piscinões estaduais é das próprias prefeituras.
O órgão assegura que só assumirá a limpeza dos 25 piscinões da região metropolitana depois que uma lici- tação que está em curso terminar --o que não deve ocorrer antes de 2012.
De acordo com o DAEE, 245 mil metros cúbicos de sedimento e lixo serão retirados do fundo dos reservatórios em um investimento que totaliza R$ 40 milhões.
FAXINA
As administrações municipais dizem que a faxina nos piscinões é uma responsabilidade do próprio governo do Estado, por meio do DAEEE.
A Prefeitura de Diadema, afirma que apenas doou parte dos terrenos onde estão os três piscinões do município. "A retirada de resíduos é de responsabilidade do DAEE", disse a administração, por meio de nota.
"O trabalho de roçada e capinação dos locais, de responsabilidade da prefeitura, está sendo feito", afirmou o governo municipal.
Em São Bernardo do Campo, de acordo com a prefeitura, a previsão é que "tudo esteja limpo até dezembro".
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Mauá não se pronunciou.