segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Livro sobre dia a dia da polícia antecipou 'The Wire', obra-prima da TV, FSP

 

Divisão de Homicídios

  • Preço R$ 149,90 (736 págs.)
  • Autoria David Simon
  • Editora Darkside
  • Tradução Diego Gerlach

Repórter policial do jornal The Baltimore Sun desde 1982, quando terminou a faculdade, David Simon chegou ao fim da primeira década de trabalho irritado com os chefes e infeliz com os caminhos que o jornal estava tomando.

Acolheu, então, a ideia ouvida de um investigador e pediu autorização ao chefe da polícia da cidade para acompanhar o trabalho da divisão de homicídios por um ano, com o objetivo de escrever um livro sobre a experiência. Inexplicavelmente, observa, a proposta foi aceita e resultou no livro "Divisão de Homicídios".

Ilustração da capa do livro 'Divisão de Homicídios', de David Simon, pela editora Darkside - Divulgação

Com o título de "estagiário policial", Simon entrou para a polícia em janeiro de 1988. Enfrentou, como seria de se esperar, enorme desconfiança dos policiais, que foram contra sua presença no departamento, além de sofrer bullying, nos momentos de folga, por ter baixa resistência a bebidas alcoólicas.

Falando pouco, escutando mais e anotando com discrição tudo o que via e ouvia, terminou sendo aceito e incorporado à turma de investigadores.

Com graves problemas sociais, a cidade de Baltimore exibiu em 1988 uma taxa de 8,4 homicídios por mil habitantes, ou 237 assassinatos, um número bem alto que obrigava os investigadores a lidarem, cada um, com cerca de 15 casos por ano, o dobro do que seria recomendável.

"A televisão nos deu o mito da busca frenética, da perseguição em alta velocidade, mas a verdade é que isso não existe", escreve. "A divisão de homicídios sempre chega depois de os cadáveres tombarem."

Com um texto cristalino, descrições detalhadas, alguma ironia e eventualmente uma ponta de humor, Simon transporta o leitor para as cenas de crime e salas de interrogatório.

Veja a descrição que faz de um policial, Tom Pellegrini, um mestre nos interrogatórios: "Com seu jeito lento e lacônico, levava três minutos para dizer tudo que tinha comido no café da manhã ou, então, cinco minutos contando uma piada envolvendo um padre, um pastor e um rabino. Embora isso fosse incrivelmente irritante, era perfeito para interrogar criminosos".

Publicado originalmente em 1991, "Divisão de Homicídios" mudou os rumos da carreira de Simon. Em 1993, o livro inspirou a criação de uma série, chamada "Homicídio", exibida em sete temporadas na rede NBC, até 1999. Ainda tateando no riscado, ele elaborou alguns roteiros para a série.

No Brasil, a série foi apresentada na TV Manchete e pelo canal pago USA, hoje Universal Channel. Em 2023, a série chegou finalmente a uma plataforma de streaming, a Peacock, infelizmente não disponível no Brasil.

Já fora do jornal, em parceria com Ed Burns, um ex-policial da divisão de homicídios, Simon publicou "The Corner", uma investigação sobre uma região de Baltimore dominada pelo tráfico de drogas. O livro de 1997 virou uma minissérie da HBO em 2000, mas o título não está mais disponível no Max.

A obra-prima de Simon nasceu em 2002. "The Wire", ou "A Escuta", uma série de 60 episódios em cinco temporadas, mergulha com mais profundidade e complexidade em todos os temas que o jornalista abordou nos trabalhos anteriores e em sua vida como repórter. A série pode ser vista no Max.

Uma das realizações mais ambiciosas da chamada era de ouro da TV americana, é uma série policial, mas vai muito além dos crimes investigados, com a clara intenção de provocar debates públicos.

homem careca de olhos verdes e terno cruza as mãos à frente do corpo em foto preto e branco
David Simon, criador de 'The Wire' e autor de 'Divisão de Homicídios' - Mark Sommerfeld/The New York Times

Simon mostra os projetos absurdos para restringir o tráfico de drogas, discute a decadência do porto de Baltimore, expõe o sistema público de educação, descreve as minúcias do jogo político na cidade e, num fecho de ouro, aponta a câmera para próprio jornal em que trabalhou para iluminar a crise da imprensa escrita e a tentação do sensacionalismo.

De volta a "Divisão de Homicídios", é preciso registrar o trabalho da editora Darkside, que preenche uma lacuna importante com a publicação deste livro no Brasil, tantos anos depois da edição original. Com 740 páginas, em capa dura, muito bem traduzido por Diego Gerlach, o catatau inclui um texto altamente esclarecedor de Simon escrito em 2006, 15 anos depois do lançamento.

Marcelo Leite - Limitarianismo, ou por que hiper-ricos são do mal, FSP

 Atire o primeiro Porsche contra o motoboy quem achar moralmente correto Elon Musk receber US$ 46 bilhões (R$ 280 bilhões) de honorários como CEO da Tesla. E se prepare para ver os argumentos neoliberais convertidos em picadinho por Ingrid Robeyns.


A filósofa da Universidade de Utrecht (Holanda) defende que ninguém deveria acumular patrimônio maior do que o suficiente para viver com largueza. Ela advoga o limite de US$ 10 milhões (R$ 61 milhões).

Autora de "Limitarianism: The Case Against Extreme Wealth" (limitarianismo, o argumento contra riqueza extrema), ela não se fixa na cifra, contudo. Poderiam ser 25 milhões, ou 100 milhões. Importa o princípio a ser reconhecido pela sociedade, não tanto a quantia.

O bilionário Elon Musk durante evento com Donald Trump em hotel em Washington, em novembro de 2024 - Allison Robbert/via Reuters

O livro saiu no Reino Unido e nos Estados Unidos, além da Holanda e da Alemanha. Em breve será publicado em coreano, croata, dinamarquês, espanhol, italiano, japonês e russo.

O PDF de uma obra editada por ela, "Having too much: Philosophical Essays on Limitarianism" (ter demais, ensaios filosóficos sobre limitarianismo) pode ser baixado de graça em inglês e em espanhol.

Robeyns alinhava razões de cunho ético, político e ecológico em favor da proposta. A primeira se volta contra a noção de que ganhos estratosféricos de bilionários como Musk e Mark Zuckerberg provêm de seus méritos como empresários inovadores e, assim, se justificam.

Nada disso, contesta a filósofa. O sucesso depende em grande medida de fatores que lhes escapam de controle, como nascer na família certa (em geral, afluente), no país certo (boas saúde e educação) e na hora certa (internet e smartphones).

Quantos Musks e Zuckers não nascem e morrem semi-analfabetos nas favelas, abatidos por balaços da polícia e de traficantes, em acidentes de moto ou picados pelo mosquito da dengue?

Nem mesmo o talento pessoal vem por merecimento, mas em boa parte dos genes. Sem tirar a sorte grande na loteria do nascimento, do berço ao DNA, não há esforço e persistência capazes de tornar alguém bilionário –ao contrário do que pregam (ex)coaches, pastores e outros escroques.

Do ângulo político, os ricos representam grave ameaça à democracia. Têm dinheiro bastante para financiar políticos, garantir a lealdade de partidos, fazer lobby de seus interesses e influenciar eleições. E, agora, envenenar a opinião pública.

A concentração atual de riqueza permite comprar o Twitter e pôr a rede a serviço de Trump. Impedir que o jornal The Washington Post endosse Kamala Harris, como fez Jeff BezosCancelar a moderação das plataformas Meta, à Zuckerberg, para faturar com racismo, homofobia e misoginia.

Por fim, o estilo de vida dessa gente realimenta o aquecimento global. Enquanto um africano emite uma tonelada de carbono por ano na atmosfera, bilionários respondem por até 30 mil toneladas, e isso só com mansões, barcos e aviões, sem contar emissões das empresas que controlam.

Robeyns também pica miudinho a tese de que o veto a bilionários destruirá o incentivo para visionários construírem empresas como a Amazon, mas sua argumentação não cabe aqui. Basta lê-la no blog Crooked Timber para entender que ninguém será impedido de projetar um Tesla ou dirigir um Porsche.

As empresas podem prosperar em um mundo com limites para a riqueza pessoal? por Ingrid Robeyns, blog Madeira torta

 

As empresas podem prosperar em um mundo com limites para a riqueza pessoal?

por Ingrid Robeyns em 24 de novembro de 2024

por Rutger Claassen e Ingrid Robeyns

Vamos estabelecer um limite superior para a riqueza pessoal que qualquer indivíduo pode possuir. Este é o princípio central por trás do "limitarismo". O limitarianismo representa uma das propostas mais radicais no debate sobre desigualdade de riqueza. Nos últimos anos, um de nós desenvolveu a filosofia do limitarianismo (primeiro no âmbito acadêmico e, mais recentemente, também na esfera pública , como os leitores regulares deste blog sabem). A proposta foi endossada e, em alguns casos, desenvolvida ainda mais por outros acadêmicos e escritores, incluindo Thomas Piketty e o jornalista holandês Sander Heijne.

Claro, nem todo mundo gosta da ideia. Uma das críticas mais importantes ao limitarianismo é que não está claro se os donos de empresas podem continuar a manter seus negócios florescentes em um mundo limitarianista. Ou não mais poder receber salários excepcionalmente altos para administrar essas empresas. Pense, por exemplo, no pacote de compensação de US$ 46 bilhões que Elon Musk recebeu por servir como CEO da Tesla.

Annemarie van Gaal, descrita como uma das empresárias mais conhecidas da Holanda e colunista do influente jornal holandês De Telegraaf , afirma que, com um teto de riqueza, não haverá mais nenhuma atividade empresarial:

“Mas qualquer um que esteja disposto a correr riscos significativos, suportar imenso estresse e sacrificar noites sem dormir para aplicar seu talento e perseverança para chegar ao topo, deve ter rédea solta. Essas pessoas são as que criam empregos e garantem que nosso país permaneça entre os mais ricos do mundo. (…). Os principais empreendedores ainda estariam dispostos a sacrificar anos de suas vidas, correr inúmeros riscos e suportar dificuldades se soubessem de antemão que há um limite para seu sucesso? Não. Nunca nos tornaremos uma sociedade feliz se permitirmos isso.”

Mas isso está correto? Os donos de empresas podem continuar donos de seus negócios sob o limitarianismo? E seus negócios podem prosperar? Esta é uma questão importante. Porque mesmo que haja fortes argumentos morais para o limitarianismo, eles não valem muito se o limitarianismo destruir a economia.

Primeiro, vamos dar uma olhada nesses argumentos morais. O argumento mais fundamental para o limitarianismo é que fortunas muito grandes não podem ser consideradas moralmente merecidas. Os sucessos que pessoas bem-sucedidas alcançam em suas vidas são, de fato, dependentes de três fatores que estão totalmente além de seu controle: seus talentos e habilidades inatos, a influência de seus pais e classe social, bem como as instituições e infraestruturas nas comunidades em que crescem. Todos dependem de uma "loteria" na qual alguns nascem com mais talentos e se encontram em uma posição mais privilegiada, enquanto outros são menos afortunados. Isso significa que as recompensas que as pessoas ganham com seus talentos são em grande parte o resultado de fatores que não seus próprios esforços. E por essa razão, não podemos dizer que esses sucessos são moralmente merecidos.

Outro fundamento para o limitarianismo são os efeitos ruins e prejudiciais da concentração de riqueza. Os limitarianistas apontaram que a concentração de riqueza prejudica a democracia e, em particular, o princípio da igualdade política, pois os muito ricos têm amplos recursos para se envolver em lobby, no financiamento de candidatos políticos e no gasto de recursos financeiros para influenciar os resultados das eleições. Nas piores situações, as democracias se tornam propensas à influência do mundo corporativo ('captura corporativa') - um fenômeno no qual a tomada de decisões políticas é controlada pelos donos de grandes corporações.

Além disso, argumenta-se que os estilos de vida dos super-ricos não são compatíveis com o princípio da sustentabilidade ecológica. Lucas Chancel estimou que, enquanto a pegada de carbono global média é de 6 toneladas por pessoa por ano, os 1% mais ricos têm pegadas de carbono de 101 toneladas. As estimativas das pegadas de carbono dos bilionários ultrapassam facilmente 2.000 toneladas métricas e vão até 31.000 toneladas. E essas estimativas não levam em conta o impacto de carbono de seus investimentos; elas apenas olham para os efeitos poluentes de suas mansões, jatos particulares e iates. Para comparação: a pegada de carbono média da maioria dos africanos é de cerca de 1 tonelada, e todos nós precisamos nos mover na direção de zero.

Por fim, as estruturas legais e econômicas da economia que permitem concentração extrema de riqueza são as mesmas estruturas que privam o governo de riqueza pública suficiente para atender às necessidades não atendidas da população. Em seu trabalho inovador sobre desigualdade de riqueza, Thomas Piketty mostrou que, nas últimas décadas, a riqueza privada cresceu às custas da riqueza pública – portanto, às custas do governo para aliviar a pobreza e fornecer investimentos adequados em bens públicos. Além disso, há muitas políticas que beneficiam os mais ricos (e suas empresas), mas que não beneficiam os mais desfavorecidos, como a abolição da tributação de herança e espólio, ou os impostos consistentemente mais baixos sobre a renda de investimentos em comparação à renda do trabalho. E as coisas só vão piorar, porque estamos na véspera da maior transferência intergeracional de todos os tempos .

Por causa desses efeitos nocivos ou ruins da concentração de riqueza, o limitarianismo propõe limitar a quantidade de riqueza pessoal que cada pessoa pode ter. Isso levanta a questão: onde esse limite de riqueza deve ser estabelecido? Um limite preciso depende de inúmeros fatores, mas para o bem desta discussão, adotaremos a proposta de definir o limite de riqueza em cerca de 10 milhões (libras, euros ou dólares). No entanto, observe que nada no que se segue depende desse número: se decidíssemos democraticamente definir o limite em 25 ou 100 milhões, ainda daríamos a mesma resposta à questão de se as empresas podem prosperar em um mundo limitarian.

Agora, vamos considerar negócios. Quais seriam as implicações de administrar um negócio em um mundo onde ninguém tem permissão para possuir mais de 10 milhões?

O que significa "administrar um negócio"? Qualquer negócio de um determinado tamanho é incorporado, como o "Inc" por trás do nome da empresa indica. Em uma corporação, os acionistas detêm ações, que normalmente vêm com dois direitos. Primeiro, os acionistas têm direitos de controle. Suas ações oferecem a eles o direito de votar na Assembleia Geral Anual da empresa. Por meio desses direitos de voto, eles podem controlar as nomeações para o conselho de administração e a estratégia geral da empresa. Segundo, os acionistas têm direitos de lucro. Eles têm direito a uma parte dos dividendos e, portanto, se beneficiam financeiramente quando a empresa obtém lucros. O conselho da empresa tem o poder de decidir se os lucros devem ser reinvestidos no negócio ou distribuídos como dividendos ou recompras de ações. Mas na maioria dos países, os acionistas, por meio de seus direitos de controle e da ameaça de saída, podem impor decisões comerciais favoráveis ​​aos acionistas.

Na prática atual, os direitos de lucro e os direitos de controle são tipicamente agrupados: quem tem um direito também tem o outro, pois as ações dão direito ao detentor a ambos. Esse agrupamento pode parecer tornar impossível para qualquer pessoa manter o controle de uma empresa cujo valor excede 10 milhões de euros. Imagine uma empresa cujas ações valem 50 milhões de euros. Assim que o fundador tivesse que vender 40 milhões de euros em ações, ele ficaria com apenas 20% dos direitos de controle. Ele seria derrotado em qualquer grande mudança de política pelas pessoas que detêm os outros 80% das ações. O limitarianismo pareceria então matar o sonho de qualquer fundador que queira manter o controle. E se, como Annemarie van Gaal, acreditamos que tais fundadores são empreendedores brilhantes que devem ter o poder de governar suas empresas com autoridade absoluta, então o limitarianismo apresenta um problema intransponível.

Felizmente, há outras opções. O princípio de "uma ação, um voto" é apenas uma maneira de organizar uma empresa. Pois direitos de controle e direitos de lucro podem ser desagregados. De fato, isso já acontece com frequência no coração do capitalismo, com estruturas de ações de classe dupla. Cada empresa pode criar diferentes classes de ações: algumas ações vêm apenas com direitos de voto, outras vêm apenas com direitos de lucro. Veja a Meta. O pacote pessoal de ações de Mark Zuckerberg tem apenas 13% dos direitos de lucro, enquanto representa 61% do poder de voto na Meta.

Ao desmembrar os direitos de voto e lucro, qualquer fundador de uma empresa poderia, assim que o valor da empresa ultrapassasse 10 milhões de euros, mudar a estrutura acionária. Progressivamente, conforme a empresa cresce, as ações que só dão benefícios financeiros poderiam ir para outros, enquanto o fundador retém o controle por meio de ações com direitos de voto. Quais são as opções de como essa transferência poderia ser feita?

Uma opção seria que, assim que o limite de 10 milhões fosse ultrapassado, as autoridades fiscais tributariam o fundador em espécie. As ações de lucro seriam transferidas para um fundo coletivo, ou seja, um Fundo Soberano de Riqueza. Desse fundo, dividendos poderiam ser pagos a todos os cidadãos, como faz a Alaska Permanent Fund Corporation , que detém as ações de sua principal empresa de petróleo. Dessa forma, a riqueza acima dos limites beneficiaria diretamente todos os cidadãos.

Existem outras opções. O fundador de uma empresa também pode evitar a tributação em espécie pelo estado, doando as ações acima do limite. Yves Chouinard, fundador da Patagonia, ao se aposentar doou as ações para um fundo fiduciário . Empresas de propriedade de fundações são um fenômeno bem conhecido na Dinamarca e, em menor grau, na Alemanha. Grandes empresas de propriedade de fundações na Dinamarca são listadas em ações (como Carlsberg ou NovoNordisk), mas a maioria dos direitos de controle está com a fundação. Um fundador perderia o controle direto sobre a empresa, mas sua visão para a empresa poderia permanecer como o princípio principal – o "propósito" – ancorado no estatuto da fundação, protegido pelo controle do conselho da fundação. Além disso, o fundador ou sua família poderiam, eles próprios, fazer parte deste conselho da fundação.

Finalmente, as ações de lucro acima do limite também poderiam ser doadas aos trabalhadores por meio dos Employee Stock Ownership Plans (ESOP), de modo a beneficiar os trabalhadores especificamente. Aqui também as ações com direito a voto poderiam permanecer com o empreendedor fundador. Nos EUA, estima -se que cerca de 6500 ESOPs ajudem 14 milhões de funcionários a 2,1 trilhões em ativos; de forma alguma um feito pequeno. Uma política limitante poderia impulsionar esse fenômeno ainda mais.

Isso também abordaria a preocupação de que empresas familiares como as conhecemos não serão mais possíveis em um mundo limitarian? Empresas familiares, assim diz o argumento, são um tipo especial de empresa, por meio do qual é importante que a cultura e as tradições da empresa possam ser salvaguardadas. No entanto, enquanto os direitos de controle permanecerem totalmente dentro da família, não há razão para se preocupar que o caráter específico das empresas familiares seja ameaçado pelo limitarianismo. A família pode escolher qualquer uma das estratégias acima para transferir os direitos de lucro acima do limite limitarian – ainda assim o controle permanecerá totalmente na família.

Não faltam opções, então. Qualquer que seja a opção escolhida pelo fundador, o controle permaneceria com ele. Isso é o bastante para mostrar que o limitarianismo é compatível com a liberdade empresarial como a conhecemos, permitindo que empreendedores realizem seus sonhos pessoais com suas empresas, enquanto abrem mão dos direitos de lucro.

Há uma crença de longa data de que os direitos de voto e os direitos de lucro devem andar de mãos dadas – que qualquer um com uma “pele no jogo” também deve ter uma palavra proporcional nas decisões. Em uma análise provocativa, Financial Times chamou a estrutura de ações de classe dupla da Meta de uma "ditadura", uma vez que priva os investidores de seus direitos de voto. Essa crítica pressupõe que aqueles que assumem o risco financeiro ao manter direitos de lucro também devem ter uma palavra a dizer na governança. No entanto, a Meta continua a atrair investidores sem oferecer a eles poder de voto, assim como as empresas de capital aberto de propriedade de administradores na Dinamarca mencionadas anteriormente.

Levando esse conselho a sério, alguém poderia se perguntar: uma vez que os direitos de lucro foram transferidos, por que um fundador ainda desejaria manter o controle? Se os lucros vão para os cidadãos (por meio de um Fundo Soberano de Riqueza), trabalhadores (por meio de um ESOP) ou uma fundação, então por que não dar também os direitos de controle a essas partes? Os críticos do capitalismo de acionistas há muito argumentam que os acionistas, fortalecidos por seu direito de votar e incentivados por seu direito de colher os lucros, têm conduzido as empresas em direções de curto prazo, atropelando os interesses e direitos de outras partes interessadas, como trabalhadores, consumidores e — por meio de descuido ambiental — gerações futuras. Dessa perspectiva, os direitos de controle também podem ser dados a um conjunto de partes interessadas (relevantes para a empresa), para que seus interesses sejam protegidos.

Isso explora propostas para tornar os fundos de Riqueza Soberana mais democráticos , para usar o controle de fundações para propósitos sociais (isso é chamado de "propriedade de administrador"), ou aumentar a voz dos trabalhadores nas empresas . Só então as empresas seriam administradas "no interesse de todos os afetados", que é um princípio padrão da democracia. Como vimos, limitar a riqueza é motivado pelo efeito corruptor da grande riqueza sobre os princípios democráticos. Embora o limitarianismo seja compatível com o controle empresarial contínuo, pensamos que estender os princípios democráticos ao design das empresas traria uma realização ainda mais profunda da boa sociedade que o limitarianismo almeja.

Você pode pensar que intervenções políticas pesadas seriam necessárias para que essas novas formas de empresa se enraízassem. No entanto, esse não é necessariamente o caso. Limitarianismo é, antes de tudo, uma ideia moral. Mesmo que os governos não ajam sobre isso e limitem a riqueza, os empreendedores — especialmente os aposentados — enfrentam escolhas morais próprias. Em vez de vender sua empresa para o maior lance, eles também podem convertê-la em uma empresa de propriedade de um administrador ou criar um ESOP. À luz do grande número de empreendedores aposentados nos próximos anos, nos aproximaríamos da realização do limitarianismo por uma geração de empreendedores bem-sucedidos que deixam uma herança mais do que decente para seus próprios filhos, mas redirecionam seu excesso de riqueza para a sociedade.

NB: uma versão holandesa deste blog será publicada em breve na revista holandesa Vrij Nederland .