domingo, 12 de janeiro de 2025

Um além-do-homem nos gramados europeus, Muniz Sodré, FSP

 Frente aos temores generalizados de fim do mundo, este ano de 2025 começa, entretanto, com a revelação de um novo homem. Nenhum milenarista, nenhum suposto redentor dos desamparados, mas um jovem de 24 anos chamado Vinicius José Paixão de Oliveira Junior. Ele mesmo, o ponta-esquerda do Real Madrid, eleito melhor do mundo pela Fifa.

Vinicius Junior durante partida contra o Valencia - Pablo Morano - 3.jan.25/Reuters

A busca de figuras exemplares costuma focalizar o passado. O que é notável na obstinação americana em "tudo reconstituir de um passado e de uma história que não era a deles e que por eles foi destruída em grande parte. Os castelos da Renascença, os elefantes fósseis, os indígenas nas reservas, as sequoias em holograma" (Jean Baudrillard, em "América").

Já os europeus, saturados de história, idealizam o novo em algum momento das convulsões sociais ou em sistemas de pensamento. É o caso de Nietzsche em "Zaratustra", com a figura do Übermensch, ou seja, uma condição evoluída da humanidade, o "além-humano", com moralidade própria. Nele, três atributos: faculdade de esquecer/superar, afirmação do eterno retorno e amor ao destino.

Negro, nascido em São Gonçalo (RJ), de família pobre, Vini Jr. supera o absolutismo dos valores que tentam sufocá-lo desde a infância. Na prática, um niilista ativo. Primeiro se impôs como jogador excepcional. Depois compôs perfil original ao transformar o gramado dos campos de futebol em plataforma contra o racismo, mostrando que existe algo a ser abandonado na ideia ocidental de humanidade. Trata-se de superar o homem atual.

Eterno retorno é metáfora para a imanência renovada da existência. O que sempre retorna é a vida. Sem mascarar a cor da pele nem renegar a adversidade na transformação pessoal, Vini Jr. abraça sem restrições a sua própria vida, poderia vivê-la novamente caso houvesse um retorno. O que é concebível quando se ama o destino ("amor fati", diz Nietzsche), isto é, quando o sujeito não se arrepende de nenhuma decisão consciente, pois ela terá sido constituinte de si mesmo.

Nenhuma surpresa se o espírito dominado por valores regressivos achar absurdo descer das montanhas especulativas para a planície do comum. O nazifascismo quis traduzir Übermensch como um supermacho ariano a ser criado. Ridículo atroz. O além-humano sempre esteve e continua a estar aí, em todo espírito livre que mobilize por potência própria sua liberdade e a de outros. "Mensch" (e não "Mann") não delimita gênero: o além acontece no feminino presente ou numa ancestral, como agora com Eunice Paiva por Fernanda Torres. A transmissão não está entre artistas, e sim na ancestralidade despertada pela arte.

Nisso, nenhum identitarismo, mas potência, ao alcance do sujeito ativo na luta social. A cor da pele, velho gatilho para insultos racistas, não é o leitmotiv dos ataques ao jogador: os campos europeus convivem há muito tempo com diversidade. O que há é sobressalto psíquico ante alguém sempre mais vivo após as mortificações, a percepção inquietante de um novo ou um além no humano. Corpo luminoso frente à ressonância chula, o brilho de Vini Jr. recobre admiradores e desafetos. Algo como Zaratustra ao acordar: "Grande estrela! Qual seria a sua felicidade se não houvesse aqueles por quem você brilha?"

Smart Fit exemplifica a dicotomia do varejo, Marcos de Vasconcellos, FSP (definitivo)

 

O Réveillon tem um efeito interessante nos parques de São Paulo. A promessa de começar o ano novo de forma mais saudável leva hordas de atletas amadores a experimentar caminhadas e corridas, em um louvável novo esforço. Nas academias, é a alta temporada de matrículas.

Quem parece ter apostado que os novos atletas seguirão na vida fitness é o gigante do letreiro amarelo, Smart Fit. A marca acaba de divulgar que, em 2024, acrescentou 305 academias à sua rede –uma expansão de 21%. Assim, começa 2025 com 1.743 unidades, sendo 823 no Brasil, 395 no México e 525 em outros países da América Latina.

Unidade da Smart Fit fechada em São Paulo durante pandemia de Covid-19 - Rahel Patrasso - 19.mar.2020/Reuters

Esse tipo de movimento custa caro. E demora a se pagar. Com a fome de crescer, a dívida bruta da empresa atingiu o patamar de R$ 5,2 bilhões no terceiro trimestre de 2024 (último dado disponível). Isso é 45% a mais do que no mesmo período do ano anterior. Só se endivida assim quem confia que vai fazer mais dinheiro com as novas aquisições.

A receita básica para tocar uma academia não tem muita mágica: aparelhos novos, unidades disponíveis, bons pacotes de assinatura e funcionários treinados.

Pelo visto, os investidores não acreditam que isso será o bastante para transformar o aumento do endividamento em aumento dos lucros para a Smart Fit. As ações da empresa, SMFT3, fecharam o ano em queda de quase 35%. Está bem que não foi um ano bom para a Bolsa de forma geral, mas as perdas do Ibovespa foram bem menores que isso, de 10,3%.

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O desabar dos papéis foi a contragosto dos analistas da XP e do BTG Pactual. Os profissionais da corretora afirmaram que os últimos resultados reportados pela rede fitness foram sólidos, destacando que a empresa "parece estar no caminho certo com seu plano de expansão".

Os especialistas do banco de investimentos apontaram o aumento da eficiência da empresa, que reflete no aumento de consideráveis 35% em seu Ebitda (lucros antes dos juros, tributos, depreciação e amortização). Eles recomendam a compra do papel, dizendo que seu preço-alvo é de R$ 28 – 60% acima dos atuais R$ 17,50.

Como pode uma marca em franca expansão, bem vista entre analistas, então, perder 35% de seu valor de mercado em apenas um ano? A rede é um ótimo exemplo para explicar a dicotomia vivida pelo varejo brasileiro neste ano.

Temos um governo que acredita e prega o aumento do consumo, mas não consegue controlar a inflação, reduzindo o poder de compra e aumentando o endividamento de seus cidadãos.

No apagar das luzes de 2024, o número de endividados no Brasil chegou a 73 milhões de pessoas, de acordo com o Serasa. Por mais que o brasileiro seja cada vez mais adepto a um modo de vida saudável, na hora que o calo aperta, a conta da academia não é a primeira a ser paga.

O avanço da inflação, que arrasta consigo o aumento das taxas de juros, não atrapalha só a atração e retenção de clientes. A renegociação de dívidas e dos contratos de locação de imóveis fica cada vez mais difícil para a rede.

Vale lembrar que, em 2023, quando havia perspectiva de cortes nos juros, as ações da Smart Fit se valorizaram cerca de 90%. Com as perdas de 2024, os papéis são vendidos hoje por 55% do preço que tinham quando chegaram à Bolsa, em 2021.

Ao que parece, os investidores querem mais do que promessas de ano novo para voltar a apostar na tese de uma vida saudável.