Se o racismo brasileiro está muito bem documentado em "Othelo, O Grande", talvez seja possível também creditar a ele a pouca importância que foi dada ao assunto na televisão. Basicamente, mostram ali sua participação na "Escolinha do Professor Raimundo", de Chico Anysio —um na classe inteira, que devia reunir ao menos uns 20 comediantes.
Na TV Excelsior, Othelo foi mais respeitado, ao menos quando estava em cena. Tinha um quadro dele no programa de humor e música chamado "Vovôdevile". Mas é improvável que exista registro, hoje, desse programa, que era gravado em videotape, mas, com o final melancólico da emissora, é improvável que algo tenha sobrado.
Também não costuma circular um programa dos grandes anos da TV Record, os 1960, chamado "Quem Tem Medo da Verdade?". Era uma atração de índole inquisitorial, em que um grupo de entrevistadores se reunia para "julgar" o convidado.
Nessa, ficou famoso o dia em que Leila Diniz foi tão agredida com as grosserias ouvidas que começou a chorar. E mais famoso no dia que Helena Ignez respondeu a elas com humor e sarcasmo.
No caso de Grande Otelo, o problema era o alcoolismo, e o julgamento versava sobre os prejuízos que o álcool teria trazido ao ator-cantor-compositor. Entre os jurados estava Adoniran Barbosa, o único a "inocentar" o artista e, sobretudo, a convidar o colega para umas biritas quando saíssem dali.
Se o filme registra muito pouco de Grande Otelo na TV, o cinema brasileiro deu mais chances a ele. Desde a Atlântida e Nelson Pereira dos Santos (cujo "Rio Zona Norte" é bastante usado no documentário) o cinema pôs Otelo em relevo.
Mas será que ele seria lembrado de maneira compatível com seu talento depois que o cinema dito marginal da virada dos anos 1960 e 1970 mostrou que a chanchada tinha muito mais valor do que se acreditava?
E, sobretudo, chamou a atenção para os elogios que Orson Welles rasgou para Otelo quando esteve no Brasil para filmar "É Tudo Verdade". O episódio que planejou sobre a favela foi vetado pela RKO e todo o filme acabou perdido num depósito da produtora por décadas.
O que parece unir a carreira de Otelo talvez seja a favela. Ela que abriga o compositor popular de "Rio Zona Norte", roubado na cara dura por um radialista. Ela que foi proibida de entrar para a política da boa vizinhança de Franklin Roosevelt pelo Estado Novo.
O negro é aquele que, no Cassino da Urca, entrava em cena e tinha de sair pela porta dos fundos. A favela é aquilo que escondemos com cuidado, como se não fosse o Brasil, mas o Brasil dos pobres e negros. Assim como o racismo, a favela insiste em explodir e de certa forma mostrar em todo o seu esplendor a vocação colonial do país.
Otelo ator e vítima é o que este documentário apresenta. Otelo signo é o que insiste em saltar e trazer todo o mal-estar da cultura em que o Brasil patina e empaca.