quarta-feira, 24 de julho de 2024

Elio Gaspari Pesquisa mostra o lado conservador do país, FSP (muito importante)

 O Instituto da Democracia pôs na rua uma pesquisa que mostrou a superposição de algumas agendas entre os eleitores de Lula e os de Jair Bolsonaro. Com grande felicidade, ela se chama "A Cara da Democracia". Para cabeças polarizadas, a cara da democracia brasileira não é boa. Nenhum radical de seja qual credo for gostará dos resultados do trabalho, compilado pelo pesquisador João Féres Júnior, da Uerj, e mostrado pelo repórter Bernardo Mello.

Um em cada dois eleitores de Lula é contrário às saidinhas de cidadãos encarcerados, e 57% são contrários à proibição de vendas de armas de fogo. Em 2005, o país levou esse assunto a um referendo e a restrição foi derrubada por mais de 60% dos votos, mas virou falta de educação lembrar esse resultado. Legalização do aborto? 69% são contra.

Comércio de toalhas dos presidenciáveis Bolsonaro e Lula, na eleição de 2022, em São Paulo - Rubens Cavallari - 20.out.22/Folhapress

No campo de Bolsonaro, esses números são obviamente mais robustos, mas na sintonia fina voltam a surpreender: se 83% dos eleitores do capitão defendem a militarização das escolas públicas, são acompanhados por 61% dos eleitores de Lula. Mais: 55% dos eleitores de Bolsonaro defendem a pena de morte. Parece pouco, porém no campo de Lula essa percentagem é de 42%.

Opiniões desse tipo podem chocar os bem-pensantes, mas o que a pesquisa pretende mostrar é como o povo da amostra pensa. Aceita-se isso, ou segue-se o conselho do professor Antônio Delfim Netto em 1985, quando Jânio Quadros derrotou Fernando Henrique Cardoso na disputa pela Prefeitura de São Paulo: "Vão precisar mudar de povo".

A cepa conservadora do eleitorado brasileiro está aí. O Brasil tem um eleitorado conservador em relação à segurança pública e aos costumes.

Os eleitores de Bolsonaro e Lula não são semelhantes em relação a alguns temas: 23% de um são contra o Bolsa Família, já no outro lado, só 9% (14% não opinaram.)

De certa maneira, criaram-se dois estereótipos. O do sujeito que votou em Bolsonaro ficou previsível. Já o de Lula deveria levar seus explicadores do Brasil a calçar as sandálias da humildade. A "Cara da Democracia", compilada por Féres, mostrou que mais de 20% dos eleitores de Lula são favoráveis à prisão de mulheres que interrompem a gravidez (36%), à privatização da Petrobras (37%) e contrários à punição de militares que participaram do 8 de janeiro (29%). Depois de dez anos da demonstração das virtudes das cotas raciais nas universidades, 35% dos eleitores de Lula são contra. Do lado de Bolsonaro são 52%.

Colocando-se esse número ao lado do 1,8 ponto percentual que deu a vitória a Lula, percebe-se o vigor de uma das Leis de Heitor Ferreira: "Muitas vezes, não é um candidato que ganha, só outro que perde". Bolsonaro perdeu em 2022, como o PT perdeu em 2018. Num exercício de passadologia, qual teria sido o resultado da eleição se Bolsonaro não tivesse pronunciado as palavras "vacina" ou "cloroquina"?

A agenda progressista tem virtudes, até porque a do regressismo amarrou o Brasil à escravidão e ao contrabando de negros. Mesmo assim, não é assim que marcham as sociedades. Quem ouvia Martin Luther King em 1963 jamais imaginaria que, em 2024, Donald Trump estivesse de novo com um pé na Casa Branca.

Imigração é tanto essencial quanto impossível, Martin Wolf, FSP

 Nas democracias ricas, a imigração está alimentando uma reação hostil feroz. Isso não é surpreendente. Enquanto alguns insistem que todos têm direito de compartilhar a prosperidade e liberdade desses países, muitos de seus concidadãos veem aqueles que buscam entrada mais como invasores.

Da mesma forma, a visão benigna dos economistas sobre a economia ignora o fato de que os imigrantes são pessoas cujos descendentes podem viver lá permanentemente. A imigração, então, trata-se de identidade nacional.

Nas recentes eleições europeias, as atitudes em relação aos imigrantes foram instrumentais para gerar apoio a partidos nacionalistas. Nos EUA, a campanha feroz de Donald Trump contra pessoas atravessando a fronteira do sul tem sido uma fonte poderosa de seu apelo.

Imigrantes do mundo todo em Lajas Blancas, acampamento gerido pelo governo do Panamá - Federico Rios - 7.mar.2024/The New York Times

Em seu discurso na convenção republicana, ele afirmou que "os criminosos do mundo estão vindo para cá, para uma cidade perto de você —e estão sendo enviados por seus governos".

Tanto nos EUA quanto no Reino Unido, pesquisas mostram que a imigração é uma questão saliente e divisiva: Trump sabe muito bem o que está fazendo e por quê.

No entanto, argumenta Lant Pritchett, um dos principais pensadores do mundo sobre desenvolvimento econômico, no artigo "A aceitabilidade política da mobilidade do trabalho limitada no tempo", as mudanças demográficas podem forçar uma abertura na "janela de Overton" do que pode ser discutido sobre imigração.

Os países de alta renda podem ter que abandonar a visão binária das opções de hoje —seja exclusão ou um caminho para a cidadania— em seus próprios interesses e nos interesses dos países em desenvolvimento.

Comece com o último. A diferença nos salários médios entre países ricos e mais pobres é impressionante. Em 2021, de acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), o poder de compra dos salários médios mensais na Etiópia era de 5% dos da Alemanha. Mesmo na Índia, era apenas 15%.

Essas lacunas criam tanto a maior oportunidade de arbitragem do planeta quanto enormes ganhos potenciais de bem-estar.

Pritchett argumenta que se 1,1 bilhão de pessoas fossem autorizadas a se mudar e seu ganho salarial médio fosse de US$ 15 mil anualmente em termos de poder de compra, o ganho total seria de US$ 16,5 trilhões.

Isso, ele acrescenta, seria mais de 100 vezes maior do que os benefícios para os países em desenvolvimento de toda a assistência ao desenvolvimento.

No entanto, enquanto essas diferenças salariais criam um enorme incentivo econômico para os pobres se mudarem para países ricos, mesmo que temporariamente, relativamente poucos conseguem fazê-lo: os controles são muito rígidos e os custos e riscos simplesmente muito grandes.

No entanto, isso pode mudar, ele argumenta.

Primeiro, a combinação do envelhecimento com a baixa fertilidade histórica gerará aumentos tão grandes na relação da população idosa com a em idade ativa que o apoio aos primeiros se tornará insustentável sem imigração. Na Espanha, por exemplo, essa relação colapsaria de 2,45 em 2020 para 1 em 2050.

Segundo, muitos empregos essenciais são não qualificados, mas os trabalhadores precisam estar presentes. O cuidado dos idosos é um exemplo.

Terceiro, as pessoas nos países ricos começarão a perceber que há outra opção —trabalho temporário por contrato, sem reunificação familiar ou possibilidade de cidadania.

Quarto, uma indústria será então criada para organizar o movimento de pessoas em contratos temporários, de e para países ricos. Essas empresas assumirão a responsabilidade por cumprir os termos exigidos.

Por fim, nada disso requer mudanças fundamentais nas atitudes em relação aos imigrantes nos países ricos. Mas provavelmente exigiria a criação de identidades digitais seguras para as várias categorias de residentes legítimos.

As penalidades por empregar pessoas que não possuem tais identidades seriam muito altas. As penalidades impostas às empresas envolvidas no movimento de trabalhadores temporários que violam suas obrigações legais, incluindo esses trabalhadores, também deveriam ser altamente punitivas.

Uma objeção é que isso consolidaria duas classes de humanos: pessoas de primeira classe com direito de viver em países de alta renda e pessoas de segunda classe que teriam, no máximo, apenas residência temporária nos primeiros, com o propósito de trabalhar lá.

Mas o arranjo proposto não impediria os países de também permitirem que as pessoas permaneçam permanentemente. Mais importante ainda, essa proposta ofereceria muito mais oportunidades, possivelmente até transformadoras, para essa segunda classe de pessoas.

Segundo Pritchett, em sua rodada de pesquisas de 2009-2010, a Gallup perguntou às pessoas ao redor do mundo se gostariam de se mudar temporariamente para trabalhar em outro país. Cerca de 1,1 bilhão responderam "sim", incluindo 41% da população com idade entre 15 e 24 anos e 28% daqueles com idade entre 25 e 44 anos. O melhor indisponível não deve ser inimigo do bom.

Nada disso é factível agora. Mas é bastante provável que isso mude. Afinal, as pessoas que serão trabalhadores em 2050 quase todas já nasceram. Mesmo que as pessoas comecem a trabalhar aos 15 anos, o que é muito jovem atualmente, ninguém que não esteja vivo atualmente estará disponível para trabalhar antes de 2040, sem imigração.

Se os países quiserem manter o acordo de bem-estar intergeracional e não conseguirem aumentar a idade efetiva de aposentadoria para, digamos, 75 anos, imigrantes, tanto qualificados quanto relativamente não qualificados, serão necessários.

Se os países não quiserem abrir um caminho para a cidadania plena para um grande número de pessoas, serão levados para a opção de contratos temporários. Isso será especialmente convincente para países com taxas de fertilidade próximas a um filho por mulher, dos quais agora existem vários.

Se a imigração em massa continuar sendo inaceitável, mas se tornar essencial, então algo mais aceitável deve ser encontrado. A única solução provável são os contratos temporários. Poucos abraçarão essa opção. Mas seria melhor do que as alternativas. Seu tempo chegará.

Kamala zerou no bingo conservador, Mariliz Pereira Jorge - FSP

 Kamala Harris não tem filhos, logo não deveria ser presidente. Este argumento será usado se a atual vice de Joe Biden for confirmada como candidata democrata. Assim que seu nome passou a ser endossado por figuras importantes do partido, a direita começou atacar sua capacidade por ela não ser mãe.


Pelos quesitos ultraconservadores, Kamala zerou no bingo. Afrodescendente, filha de imigrantes, criada pela mãe, uma ativista de direitos humanos, não tem filhos biológicos, foi solteira até os 49 anos. Para completar a tragédia do sonho da família americana, Kamala se casou com o advogado Doug Emhoff, que, por sua vez, deu uma pausa na carreira. Ou seja, virou dono de casa, para o desespero dos machos provedores e das "tradwives" (esposas tradicionais), que juram que submissão está na moda.

A vice presidente dos EUA, Kamala Harris - Erin Schaff/AFP

O discurso de que o partido Republicano é o único pró-família não é novo, assim como o uso eleitoral do estado civil feminino. O vice de Trump, J.D. Vance, quando candidato ao Senado, disse que o país era governado por um bando de oligarcas corporativos e por um bando de mulheres sem filhos e com gatos. Um dos alvos era Kamala Harris.

O que Vance, Trump e os conservadores parecem ignorar é que o perfil da americana média mudou. Casa-se cada vez mais tarde, investe na carreira, tem menos filhos — ou não os tem. Desde 1980, as mulheres compareceram em taxas mais altas do que os homens em todas as eleições presidenciais dos EUA e fizeram a diferença em estados-chave, em 2020.

Especialmente as solteiras são críticas e refratárias a candidatos com visão e atitudes machistas, e sua agenda política guiará o processo eleitoral. Eles deveriam se lembrar do que Joe Biden disse no seu último discurso do Estado da União, ao falar sobre a revogação do aborto pela Suprema Corte: "Aqueles que se gabam de ter derrubado Roe v. Wade não têm ideia do poder das mulheres na América."