terça-feira, 16 de julho de 2024

Se o assassinato de Trump fosse bem-sucedido a democracia seria salva?, FSP

 Reagan venceu de lavada a eleição de 1984, depois de ser alvo de um atentado. Bolsonaro, lembramos bem, venceu com folga em 2018. Já eram favoritos, e o atentado contra suas vidas apenas selou a vitória. Com Trump, deve ocorrer o mesmo.

O alvo de uma tentativa de assassinato fracassada sai mais forte do que entrou. "O médico no hospital disse que nunca vira algo assim, ele chamou de milagre." Como se opor à vontade de Deus? Seu exemplo de sacrifício inspirará os apoiadores. Já a oposição terá que maneirar em suas críticas para não parecer desumana. Para completar, sua reação vigorosa no momento do atentado contrasta com a fragilidade de Biden.

Mas eu já vejo o pensamento malicioso se esgueirando em muitas mentes: "se ao menos Thomas Crooks não tivesse errado a mira…". O atentado fracassado realmente fortalece o alvo; mas o assassinato bem-sucedido é diferente. Afinal, Trump é uma ameaça à democracia; se ele saísse de cena, a ameaça cessaria com ele.

A imagem mostra um grupo de pessoas em um evento político. No centro, há Donald Trump, de cabelo loiro, sendo cercada por outras pessoas, algumas das quais estão usando óculos escuros e ternos. Na parte inferior esquerda da imagem, há um cartaz roxo com o texto 'PENNSYLVANIA TO 2024 TRUMP MAKE AMERICA GREAT AGAIN'. O fundo é um céu azul claro.
O ex-presidente Donald Trump após sofrer tentativa de assassinato em Butler, Pensilvânia, nos Estados Unidos - Anna Moneymaker - 14.jul.24/Getty Images via AFP

Provavelmente era isso que pensavam os senadores romanos que assassinaram Júlio César em 44 a.C. Sua morte pareceu uma vitória ao partido senatorial. Mas a alegria durou pouco. Em poucos anos o poder estava de volta com os partidários de César —tinham a simpatia do povo e dos soldados—, e logo o imperador Augusto enterrou de vez qualquer esperança republicana.

A história se repete. Lincoln e Kennedy nos Estados Unidos (1865 e 1963), Indira Gandhi na Índia (1984), Benazir Bhutto no Paquistão (2007). Em todos esses casos, o assassinato do líder acabou fortalecendo seu movimento —além de gerar um mártir com forte poder de mobilização—, e seu sucessor chegou à vitória. No Brasil, a vereadora Marielle Franco também foi elevada à condição de mártir e segue inspirando movimentos bem-sucedidos.

Por mais talentosos que sejam, aqueles que chegam ao poder também souberam surfar ondas maiores do que eles, e que podem ser aproveitadas por quem os suceder. A morte de Trump não selaria o fim da direita populista nos EUA. Se ele morrer, uma liderança como J.D. Vance, agora oficializado como vice, estaria muito bem colocado para herdar seu movimento e talvez fazer ainda mais estragos. Estrategicamente falando, mesmo o atentado que dá certo costuma dar errado.


Mas e se desse certo? Até aqui, estamos com um pensamento puramente estratégico, cego ao campo dos valores. E essa cegueira é ela própria destrutiva da democracia que em tese se quer proteger. Quem melhor sintetizou o que está em jogo foi, vejam só, Lula. "Ao invés de ficarmos debatendo quem ganha, o que temos que ter certeza é que a democracia perde. Os valores do diálogo, do argumento, de sentarem em uma mesa de forma diplomática e buscar soluções para os problemas, vai indo pelo ralo."

Trump é mais sintoma do que causa da ameaça à democracia americana. Ele chega ao poder porque os pilares da democracia liberal já estão abalados no coração dos eleitores. A real campanha já está sendo perdida nas almas. Esse é o real desafio, um desafio mais profundo que o ciclo eleitoral e que nenhum assassinato resolveria. Pelo contrário, só pioraria.

Vencer Trump é importante para que os EUA tenham eleições limpas e justas e liberdades individuais protegidas pelas próximas gerações, para que ele não seja um lugar em que a violência decide os rumos do país. Assim, mesmo que a morte de Trump acabasse com a direita populista e desse a vitória aos Democratas, "salvando a democracia", a própria democracia estaria morta de maneira mais profunda. Sem os valores que a embasam, ela não difere de qualquer ditadura.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Conservadorismo não é fundamentalismo, FSP

 É preciso conversar com os evangélicos ou devemos enfrentá-los? Essa é uma pergunta que está nos corações e mentes de brasileiros que veem com preocupação o crescimento da influência desse grupo no campo político.

Por que enfrentá-los? "Não se barganha com um leão quando sua cabeça está na boca dele", disse Churchill sobre como lidar com a ameaça representada por Adolf Hitler e a Alemanha nazista.

A diferença é que Churchill dá nome aos bois. Ele não fala em combater os alemães nem a Alemanha, mas aponta para onde está o problema: o ditador e seu regime.

Quando vejo pessoas falando sobre a necessidade de "enfrentar os evangélicos", lembro do desabafo que um líder cristão fez ao advogado Pedro Abramovay, da Open Society Foundation.

Ele disse: "Eu luto há 15 anos contra Malafaias e Felicianos. Mas cada vez que eles fazem um comentário homofóbico ou misógino, a esquerda os ‘xinga’ de evangélicos e não de homofóbicos ou misóginos. E eu não posso admitir que se xingue alguém de evangélico".

Há poucas semanas, o Brasil testemunhou a liderança da bancada evangélica recuar em relação à PL 1904 porque a sociedade —inclusive evangélicos— não concordou com a ideia de que a mulher grávida de um estuprador seja condenada à prisão.

A generalização —chamá-los de "seita pentecostal" ou de "ETs pentecostais"— expõe o desinteresse por essas pessoas e por sua religião. E prejudica aqueles que, de dentro, resistem ao sequestro político de suas comunidades de fé.

0
A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva - Pedro Ladeira - 2.ago.23/Folhapress

E como o outro lado vê o debate? "Me incomoda ouvir que a esquerda tem que conversar com os evangélicos, como se fossem mundos diferentes", diz o evangélico e cientista social Leonardo Rossatto. "O que falta é a esquerda incentivar aqueles que já estão nas igrejas."

Mas a ideia de "falar com os evangélicos" pode, às vezes, querer dizer "domesticá-los", convencê-los a deixar de ser quem eles são. Isso é dito como se fosse óbvio que religião —e tudo associado a ela— é besteira, conto da Carochinha.

Em que medida então o chamado para combater o fundamentalismo esconde a intenção de atacar quem é apenas conservador? Foram essas pessoas que apedrejaram a campanha de Marina Silva em 2014, por ela ser evangélica e conservadora nos costumes.

O desafio dos "setores esclarecidos" não é falar com evangélicos e sim com cristãos conservadores, o que inclui uma parte dos católicos e dos espíritas.

Por que falar com eles? Porque, neste país, eles representam um número maior de eleitores. E, democraticamente, eles têm os mesmos direitos de expor seus valores e defendê-los nas urnas.

spyer@uol.com.br

Investimento em pesquisa é essencial para Brasil liderar a transição energética, FSP

 Sempre digo que o Brasil tem plenas condições de liderar a caminhada global da transição energética.

Para compreender todos os contextos nessa jornada, recomendo um estudo recente da Shell, uma das principais empresas de energia do mundo.

O documento estipula dois horizontes. No cenário "Sky 2050", mais desafiador, o Brasil alcança a neutralidade de emissões líquidas de gases de efeito estufa em 2050, conforme compromisso assumido para cumprir os objetivos do Acordo de Paris.

Carro movido a hidrogênio integra projeto da USP que une Shell Brasil, Hytron, Raízen e Senai - Rubens Cavallari - 18.ago.2023/Folhapress

Já no cenário "Arquipélagos", essa neutralidade é restrita somente ao CO₂ e é atingida no começo dos anos 2060. Nas duas hipóteses, as conquistas brasileiras já estarão à frente da maioria dos países.

De um modo ou de outro, tenho certeza de que tais objetivos só serão alcançáveis com investimentos certeiros —públicos e privados— em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I).

Do lado governamental, logo depois da COP28, ainda em 2023, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação anunciou cinco editais que contemplam projetos para transição energética.

PUBLICIDADE

Outro instrumento bem-sucedido é a cláusula que fixa um percentual para investimentos em P&D&I em contratos de exploração e produção de petróleo e gás natural, conforme a Lei 9.478/1997.

Até 2022, essa cláusula permitiu aportes que totalizaram R$ 26,25 bilhões, com 186 instituições de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no país habilitadas, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que regulamenta e fiscaliza a aplicação dos recursos.

E o que esse investimento vem trazendo de bom?

Parte desse orçamento tem foco no desenvolvimento de tecnologias de energias renováveis e no apoio a iniciativas de descarbonização, eficiência energética e redução de impactos ambientais.

Gostaria de citar dois exemplos concretos dos benefícios da cláusula: a construção da primeira estação experimental de abastecimento de hidrogênio (H2) renovável do mundo a partir do etanol, projeto com investimento total de R$ 50 milhões que une Shell Brasil, Hytron, Raízen, Senai CETIQT e a Universidade de São Paulo (USP), através do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI); e a criação do novo Centro de Inovação em Tecnologia Offshore, uma parceria entre USP, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e Shell Brasil, anunciado em junho, com investimento de R$ 163 milhões ao longo de cinco anos.

Recursos são importantes, mas o mais importante em inovação, como dizia Steve Jobs, é atrair gente boa e motivada. "Não se trata de dinheiro. São as pessoas que você tem, como você é liderado e quanto você consegue", disse o cofundador da Apple.

Como mostra a história das empresas mais inovadoras do mundo, muitas das melhores ideias surgem da convivência entre times multidisciplinares —tanto de quem trabalha na operação e na área comercial, ouvindo as dores dos clientes, como das equipes dedicadas à pesquisa e desenvolvimento.

Os times de P&D&I precisam de autonomia, sim, mas não é recomendável que fiquem segregados. Não por acaso, para trazer um exemplo internacional, a Hitachi Energy anunciou neste mês vultosos investimentos para criar uma nova planta em Vasteras, na Suécia, que reunirá os escritórios, a fábrica para produtos de automação de rede e um centro de pesquisa e desenvolvimento.

Essa, aliás, é a história de sucesso da imensa evolução da indústria de biocombustíveis no Brasil. Aqui contamos com ótimos talentos e um propósito.

O essencial é aproveitar todas essas potencialidades para ser efetivo, fazendo apostas não só na concepção de inovações disruptivas que promovam as necessárias transformações no longo prazo, mas para a adoção rápida de soluções capazes de atender as demandas de curto e médio prazo do mercado.