Reagan venceu de lavada a eleição de 1984, depois de ser alvo de um atentado. Bolsonaro, lembramos bem, venceu com folga em 2018. Já eram favoritos, e o atentado contra suas vidas apenas selou a vitória. Com Trump, deve ocorrer o mesmo.
O alvo de uma tentativa de assassinato fracassada sai mais forte do que entrou. "O médico no hospital disse que nunca vira algo assim, ele chamou de milagre." Como se opor à vontade de Deus? Seu exemplo de sacrifício inspirará os apoiadores. Já a oposição terá que maneirar em suas críticas para não parecer desumana. Para completar, sua reação vigorosa no momento do atentado contrasta com a fragilidade de Biden.
Mas eu já vejo o pensamento malicioso se esgueirando em muitas mentes: "se ao menos Thomas Crooks não tivesse errado a mira…". O atentado fracassado realmente fortalece o alvo; mas o assassinato bem-sucedido é diferente. Afinal, Trump é uma ameaça à democracia; se ele saísse de cena, a ameaça cessaria com ele.
Provavelmente era isso que pensavam os senadores romanos que assassinaram Júlio César em 44 a.C. Sua morte pareceu uma vitória ao partido senatorial. Mas a alegria durou pouco. Em poucos anos o poder estava de volta com os partidários de César —tinham a simpatia do povo e dos soldados—, e logo o imperador Augusto enterrou de vez qualquer esperança republicana.
A história se repete. Lincoln e Kennedy nos Estados Unidos (1865 e 1963), Indira Gandhi na Índia (1984), Benazir Bhutto no Paquistão (2007). Em todos esses casos, o assassinato do líder acabou fortalecendo seu movimento —além de gerar um mártir com forte poder de mobilização—, e seu sucessor chegou à vitória. No Brasil, a vereadora Marielle Franco também foi elevada à condição de mártir e segue inspirando movimentos bem-sucedidos.
Por mais talentosos que sejam, aqueles que chegam ao poder também souberam surfar ondas maiores do que eles, e que podem ser aproveitadas por quem os suceder. A morte de Trump não selaria o fim da direita populista nos EUA. Se ele morrer, uma liderança como J.D. Vance, agora oficializado como vice, estaria muito bem colocado para herdar seu movimento e talvez fazer ainda mais estragos. Estrategicamente falando, mesmo o atentado que dá certo costuma dar errado.
Mas e se desse certo? Até aqui, estamos com um pensamento puramente estratégico, cego ao campo dos valores. E essa cegueira é ela própria destrutiva da democracia que em tese se quer proteger. Quem melhor sintetizou o que está em jogo foi, vejam só, Lula. "Ao invés de ficarmos debatendo quem ganha, o que temos que ter certeza é que a democracia perde. Os valores do diálogo, do argumento, de sentarem em uma mesa de forma diplomática e buscar soluções para os problemas, vai indo pelo ralo."
Trump é mais sintoma do que causa da ameaça à democracia americana. Ele chega ao poder porque os pilares da democracia liberal já estão abalados no coração dos eleitores. A real campanha já está sendo perdida nas almas. Esse é o real desafio, um desafio mais profundo que o ciclo eleitoral e que nenhum assassinato resolveria. Pelo contrário, só pioraria.
Vencer Trump é importante para que os EUA tenham eleições limpas e justas e liberdades individuais protegidas pelas próximas gerações, para que ele não seja um lugar em que a violência decide os rumos do país. Assim, mesmo que a morte de Trump acabasse com a direita populista e desse a vitória aos Democratas, "salvando a democracia", a própria democracia estaria morta de maneira mais profunda. Sem os valores que a embasam, ela não difere de qualquer ditadura.
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